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Arquitetura em Território Disputado: Apropriação Cultural e Alienação no Ambiente Construído para Povos Indígenas no Brasil

Executive Summary

This report extends the preceding analyses on tecnofeudalism and technological dependency into the material and cultural realm of the built environment. It argues that public architecture in Brazil serves as a physical manifestation of the same colonial, extractivist, and alienating logic that underpins the nation's technological subordination and hinders its path to true sovereignty. The analysis begins with a critical reverence for Lina Bo Bardi, whose work, while more sensitive than her contemporaries, embodies the central dilemma of Brazilian modernism: the attempt to forge a national identity by appropriating Indigenous and popular cultures within a hegemonic European intellectual framework.

The report deconstructs how this dynamic of appropriation and alienation operates through three key case studies: 1) The institutional framework of IPHAN, which fragments Indigenous heritage by separating intangible culture from tangible constructive knowledge, thereby facilitating decontextualized appropriation; 2) The history of Indigenous school architecture, which has oscillated between being a tool for cultural assimilation and a field for participatory resistance; and 3) The mass displacement caused by the Belo Monte dam, where the replacement of a living territory with standardized, low-quality concrete housing units (RUCs) represents an act of material and cultural annihilation.

As a counterpoint, this report examines paths of reintegration through vernacular knowledge and bio-architecture, highlighting the wisdom of Indigenous building systems and the potential of sustainable materials like bamboo and plant-based polyurethane. However, it also exposes the political and economic barriers—rooted in the hegemony of the concrete and steel industries—that prevent these sovereign innovations from scaling. The analysis concludes by framing practices like Technical Assistance for Social Housing (ATHIS) as a form of decolonial praxis. It offers a set of recommendations for public policy, architectural practice, and academia, arguing that a truly sovereign Brazil requires not only technological autonomy but also a decolonization of its canteiro de obras (construction sites), realigning its built environment with the social, ecological, and epistemic plurality of its territory and peoples.

Introdução: Da Dependência à Soberania no Canteiro de Obras

As pesquisas anteriores deste repositório diagnosticaram a ascensão de um "tecnofeudalismo" global, um sistema que aprofunda a dependência tecnológica do Brasil e ameaça sua soberania através de um neocolonialismo digital e extrativista. Analisamos como a bioinovação, a partir de recursos endógenos, representa um caminho de resistência a esse modelo. Este manifesto expande essa análise, deslocando o foco do campo político-legislativo para o ambiente construído. Argumentamos que a arquitetura pública no Brasil não é um campo neutro, mas a materialização em concreto da mesma lógica extrativista, colonial e desigual que fundamenta a crise climática e a dependência tecnológica.

Em um gesto de gratidão e reconhecimento, este relatório se inicia reverenciando a obra e o espírito de Lina Bo Bardi. Sua chegada ao Brasil não foi a de uma estrangeira impondo uma visão, mas a de uma arquiteta em busca de uma "regeneração" das ruínas da Europa pós-guerra, encontrando no povo brasileiro a vitalidade para um novo modernismo. Lina demonstrou um interesse genuíno pelas manifestações culturais à margem do cânone erudito, buscando inspiração direta para seus projetos e valorizando a singeleza dos saberes locais. Um exemplo emblemático é o projeto do SESC Pompeia, onde um rio antes soterrado foi ressignificado como um espaço de lazer democrático, uma "praia de paulista" que celebra a vida comunitária.

Contudo, a obra de Bo Bardi, com seu "olhar europeu treinado", representa um ponto de inflexão crítico. Este contexto levanta a questão central deste relatório: em que ponto a "inspiração" arquitetônica se transforma em uma forma de usurpação, na qual o conhecimento indígena é descontextualizado para servir a uma agenda externa? A trajetória de Lina serve como um microcosmo do dilema fundamental do modernismo brasileiro: o desejo por uma identidade nacional autêntica que, paradoxalmente, continua a operar dentro de uma moldura de poder europeia, incorporando vocabulários locais a um arcabouço preexistente. Essa dinâmica de poder torna seu trabalho o ponto de partida ideal para uma crítica da apropriação e da alienação na arquitetura brasileira.

Parte I: A Anulação do Tekoha – A Arquitetura como Ferramenta de Usurpação

Capítulo 1: O Patrimônio (In)tangível e a Arquitetura Ausente: O Ponto Cego Conceitual do IPHAN

A estrutura oficial de proteção do patrimônio no Brasil, gerida pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), revela uma profunda contradição. A Constituição de 1988 ampliou a noção de patrimônio para incluir bens de natureza imaterial. Sob essa égide, o IPHAN tem reconhecido diversas manifestações culturais indígenas, como a Arte Kusiwa dos Wajãpi e o ritual do povo Enawenê Nawê (fonte). Atualmente, de 41 bens registrados, sete são de povos indígenas.

Apesar disso, uma lacuna crítica persiste: os complexos sistemas de conhecimento arquitetônico indígena estão ausentes dos registros. A própria história da política de preservação do IPHAN demonstra um foco histórico em "bens de pedra e cal", representativos de uma narrativa hegemônica. Esta separação institucional entre a forma estética (grafismos) e a prática integrada do construir (arquitetura) não é um ato neutro. Para muitos povos, como os Guarani, a casa (Opy) é uma entidade viva, indissociável do ritual e do território. Ao fragmentar essa realidade em categorias como "Saberes" ou "Formas de Expressão", a política de patrimônio quebra o elo fundamental entre o como e o porquê se constrói. Essa fratura epistemológica facilita a usurpação cultural, ao tornar os "elementos culturais" disponíveis para apropriação descontextualizada.

Capítulo 2: A Escola como Vanguarda da Assimilação

Historicamente, a arquitetura escolar em territórios indígenas no Brasil funcionou como um instrumento de assimilação cultural, impondo prédios padronizados com a intenção de erradicar as culturas locais e integrar os indígenas à sociedade nacional, perpetuando um legado de etnocídio arquitetônico. A Constituição de 1988 marcou uma virada conceitual, garantindo o direito a uma educação diferenciada, intercultural e bilíngue, o que impulsionou a demanda por projetos arquitetônicos concebidos com a participação ativa das comunidades.

A implementação dessa nova abordagem gerou resultados díspares. De um lado, persistem projetos padronizados que ignoram a diversidade de mais de 305 etnias, tratando-as como uma entidade "genericamente indígena". De outro, surgiram exemplos positivos de projetos participativos, como a Escola Guarani Djekupe Amba Arandu (SP) e a EIEF Cacique Vanhkrê (SC), que utilizaram ferramentas de mediação e desenhos da própria comunidade para criar arquiteturas que refletem as cosmologias e formas tradicionais de cada povo. Apesar dos avanços, a construção de escolas indígenas permanece um campo de disputas, atravessado pelo descompasso entre a lógica burocrática e os ritmos das comunidades e pela tendência de técnicos não-indígenas imporem suas próprias concepções de "escola".

Capítulo 3: O Paradigma da Desterritorialização: O Caso dos RUCs de Belo Monte

A construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, representa um dos mais drásticos episódios de transformação socioambiental do Brasil, provocando o deslocamento forçado de dezenas de milhares de pessoas, incluindo comunidades indígenas e ribeirinhas que viviam em profunda conexão com o rio Xingu. Essas populações foram transferidas para conjuntos habitacionais padronizados, os Reassentamentos Urbanos Coletivos (RUCs).

A solução habitacional imposta é um exemplo de anulação cultural. Um modelo único e padronizado de 63m², construído em concreto pré-moldado, substituiu a diversidade das moradias originais. A qualidade das construções foi duramente criticada, com relatos de rachaduras, infiltrações e desconforto térmico, inadequado para o clima amazônico. Os RUCs foram construídos em áreas periféricas de Altamira, distantes do rio Xingu, o eixo da vida social e econômica das comunidades deslocadas. Essa realocação foi uma forma de segregação socioespacial planejada, que aprofundou a estrutura de centro-periferia e gerou um ambiente de insegurança e isolamento social.

Este caso ilustra a brutal substituição de um "território vivido" — um espaço rico em significados, conforme reconhecido pelo Artigo 231 da Constituição — por meros lotes de "terra", equipados com abrigos de baixa qualidade. A arquitetura dos RUCs é a expressão material da violência da desterritorialização.

Parte II: Caminhos de Reintegração – Saber Vernacular e Bioarquitetura

Capítulo 4: A Sabedoria da Arquitetura de Pés Descalços e da Bioarquitetura

Em oposição à lógica hegemônica, emergem paradigmas que buscam reintegrar o ato de construir às suas dimensões ecológica e cultural.

  • Arquitetura de Pés Descalços: Popularizada por Johan van Lengen, através de sua obra seminal "Manual do Arquiteto Descalço", esta filosofia propõe o empoderamento do indivíduo para construir sua própria habitação, utilizando de forma racional os materiais disponíveis no entorno, como terra e madeira, valorizando o saber-fazer local.

  • Bioarquitetura: Este campo mais amplo, entendido como "arquitetura verde", busca reduzir o impacto ambiental da construção e promover uma relação harmoniosa entre a edificação e o ambiente. Prioriza materiais naturais e renováveis como bambu e madeira de manejo sustentável e incorpora estratégias de design passivo para eficiência energética e adaptação às condições locais.

Esses movimentos contemporâneos representam, em essência, uma redescoberta de princípios construtivos que os povos indígenas praticam há milênios. A arquitetura vernacular não é apenas inspiração estética, mas um repositório de conhecimento tecnológico e ecológico de imenso valor.

Critério de Análise Paradigma Hegemônico/Industrial (Ex: RUCs de Belo Monte) Paradigma Vernacular Indígena (Ex: Opy Guarani) Paradigma da Bioarquitetura/Pés Descalços
Relação com o Lugar Imposição e descontextualização. Modelos padronizados aplicados independentemente do clima ou cultura. Integração profunda. A arquitetura emerge do território (tekoa) e responde ao clima e à cosmologia local. Harmonia e diálogo. Busca integrar a edificação ao ambiente, aproveitando as condições locais.
Fonte dos Materiais Industrializados, globais e de alto consumo energético (concreto, aço), transportados por longas distâncias. Locais e renováveis (madeira, palha, terra), coletados no entorno imediato da construção. Prioritariamente locais, naturais e de baixo impacto (terra, bambu, madeira de manejo) para reduzir a pegada de transporte.
Processo de Projeto Centralizado e excludente. Projetado por técnicos externos, sem participação do usuário final. A decisão é vertical. Comunitário e tradicional. O conhecimento é coletivo e a construção é um ato social. Participativo e capacitador. Busca envolver o usuário no processo, promovendo autonomia.
Significado Cultural Anulação cultural. A habitação é reduzida a um abrigo funcional, desprovido de identidade. Expressão máxima da cultura. A casa é um microcosmo, centro da vida social e ritual. Valorização da cultura local. Busca resgatar e adaptar técnicas e formas tradicionais.
Modelo Econômico Capital intensivo. Dependente de grandes corporações e do sistema financeiro. Economia de subsistência e reciprocidade, com baixo ou nenhum custo monetário. Economia local e circular. Estimula o uso de mão de obra e materiais regionais, podendo reduzir custos e gerar renda local.

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Table 1: Comparative Analysis of Architectural Paradigms. This table contrasts the core principles of the hegemonic industrial paradigm with Indigenous vernacular and bio-architectural approaches across key criteria. It highlights how the industrial model fosters decontextualization and cultural erasure, while the alternative paradigms prioritize deep integration with the local environment, culture, and community.

Capítulo 5: Arquitetura como Extensão do Ser: O Saber Construtivo Indígena

A presença do povo Guarani Mbya em São Paulo, nas TIs Jaraguá e Tenondé Porã, oferece um estudo de caso sobre a resiliência da arquitetura vernacular (CTI, s.d.). Para os Guarani, a casa é uma extensão do ser, com ciclos de vida e morte (fonte). Sua arquitetura retém profundas raízes culturais, sendo o invólucro do nhandereko, o "nosso modo de ser". No coração da aldeia (tekoa), ergue-se a Opy, a casa de reza, centro arquitetônico, social e espiritual da comunidade. Sua forma e orientação não são estéticas, mas imperativos cosmológicos.

Para ampliar a compreensão, a obra de Severiano Mário Porto, o "arquiteto da Amazônia", é exemplar. Ele desenvolveu uma linguagem que mescla técnica moderna com as estratégias construtivas de ribeirinhos, adaptadas ao clima amazônico. Sua abordagem representa um diálogo técnico, resultando em uma arquitetura sustentável e culturalmente enraizada, reconhecida internacionalmente. Um exemplo notável de agência indígena é a criação do "Manual da Arquitetura Kamayurá", onde lideranças do povo Kamayurá documentaram suas técnicas de edificação para garantir a soberania de seu saber-fazer.

Capítulo 6: O Programa Aldeias em São Paulo: Um Estudo de Caso em Colaboração?

Iniciado em 2014, o Programa Aldeias é uma política pública inovadora em São Paulo. Fruto de um diálogo entre a Secretaria Municipal de Cultura e as lideranças Guarani Mbya, com parceria do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), seus objetivos são o fortalecimento do modo de vida Guarani (nhandereko) e o apoio à autonomia política das comunidades. O programa apoia a construção e manutenção das Opys, a gestão territorial e a segurança alimentar, com plantio de espécies tradicionais e implementação de saneamento ecológico. O Programa Aldeias é elogiado por lideranças indígenas como uma política de respeito e autonomia, mas sua continuidade depende da transformação em uma política de Estado permanente, para não ficar à mercê da vontade política de cada gestão municipal.

Parte III: A Materialidade da Alienação e as Possibilidades de Descolonização

Capítulo 7: O "Aço Vegetal" e a "Resina da Terra": Barreiras à Inovação Sustentável

O bambu, apelidado de "aço vegetal", possui um potencial extraordinário para a construção civil no Brasil, com notáveis propriedades mecânicas e imensos benefícios ambientais (Zinz, Revistas IFPR). Outra inovação promissora é o poliuretano (PU) a partir de fontes renováveis, como óleos de mamona e soja. Este biopolímero, uma "resina da terra", oferece alto desempenho como impermeabilizante, isolante e adesivo, com uma pegada de carbono negativa.

Apesar desse potencial, ambos permanecem como materiais de nicho. A razão reside em barreiras sistêmicas. A Lei nº 12.484/2011, que instituiu a Política Nacional de Incentivo ao Bambu, teve implementação lenta e parcial. A norma técnica fundamental, a ABNT NBR 16828-1, só foi publicada em 2020, criando um longo vácuo normativo. Somam-se a isso barreiras de cadeia produtiva e um profundo preconceito cultural e técnico contra o material (Mongabay, FAG).

Critério de Análise Bambu ("Aço Vegetal") Poliuretano Vegetal ("Resina da Terra")
Propriedades Técnicas Alta resistência, leveza e flexibilidade. Durabilidade condicionada a tratamento. Excelente aderência, elasticidade, resistência a intempéries. Ótimo isolante térmico e acústico.
Benefícios Ambientais Recurso renovável de crescimento rápido. Alto sequestro de CO2. Recuperação de solos degradados. Matéria-prima de fonte renovável. Absorve CO2 durante o crescimento da planta. Potencial de economia circular.
Status Normativo Lei de Incentivo (Lei 12.484/2011) parcialmente regulamentada. Norma técnica (ABNT NBR 16828) publicada em 2020. Não possui norma técnica específica como material estrutural. Depende de certificações de produtos.
Barreiras Culturais/Conhecimento Preconceito e desconhecimento técnico. Percepção como "material de pobre". Tecnologia relativamente nova e pouco difundida. Percepção de custo inicial mais alto.

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Table 2: Analysis of Sustainable Materials and Barriers to Adoption. This table compares bamboo and plant-based polyurethane across key criteria, highlighting their technical properties, environmental benefits, and the systemic barriers—normative, productive, and cultural—that hinder their widespread adoption in the Brazilian construction industry.

Capítulo 8: A Economia Política do Concreto e do Aço

A construção civil é um pilar da economia brasileira, respondendo por uma parcela significativa do PIB e da geração de empregos. Este setor, no entanto, é estruturado em torno do cimento e do aço. Em 2024, as vendas de cimento atingiram 64,7 milhões de toneladas (ABCP), e a construção civil consumiu 38,2% da produção nacional de aço (Aço Brasil). A marginalização de materiais alternativos é resultado de uma estrutura de poder político-econômica consolidada. Historicamente, grandes empreiteiras estabeleceram uma relação simbiótica com o Estado, como no período da ditadura militar, que criou uma reserva de mercado. Essa estrutura é complementada por fortes lobbies setoriais, que moldam políticas e normas a seu favor, dificultando a entrada de concorrentes. A economia política da construção civil no Brasil cria uma alienação material, onde o ambiente construído é desconectado de sua base de recursos locais em favor de um modelo intensivo em energia e controlado por poucos agentes econômicos.

Capítulo 9: Descolonizando o Canteiro de Obras: Alienação e Práxis na Arquitetura Brasileira

A prática arquitetônica hegemônica no Brasil manifesta uma alienação em múltiplos níveis: do usuário, do profissional e do ambiente (Lefebvre, 1968; Quijano, 2005). Essa alienação é resultado de uma colonialidade do poder e do saber, que valoriza o modelo técnico europeu em detrimento das práticas locais. A obra do geógrafo Milton Santos é indispensável para compreender essa dinâmica. Sua teoria dos dois circuitos da economia urbana — um superior, moderno e de capital intensivo, e um inferior, de pequena escala e trabalho intensivo — explica como a lógica do circuito superior gera "cidadanias mutiladas", criando um espaço fragmentado que restringe o acesso da maioria da população (Santos, 1987).

Como contraponto, surgem práticas de resistência. A mais significativa é a Assessoria Técnica em Habitação de Interesse Social (ATHIS), formalizada pela Lei nº 11.888/2008, fruto da luta de movimentos sociais. A ATHIS propõe um modelo onde o arquiteto trabalha com a comunidade, em um processo colaborativo e politizado. Um dos expoentes dessa práxis é a USINA - Centro de Trabalhos para o Ambiente Habitado, um coletivo que atua em São Paulo desde 1990. Sua metodologia, fundamentada na autogestão, torna os futuros moradores protagonistas do processo, subvertendo a lógica do capital (USINA CTAH). A discussão tem sido aprofundada por acadêmicos como a Professora Ludmila de Araújo Correia, que coordena projetos de extensão como o "Morada de Luz", e por eventos como o Seminário de ATHIS, que buscam articular o enfrentamento às mudanças climáticas com a justiça social.

Conclusão e Recomendações

Este relatório demonstrou que a relação da arquitetura hegemônica com os povos indígenas no Brasil é a manifestação mais aguda de uma alienação sistêmica que permeia o ambiente construído no país. Contudo, os caminhos de reintegração e descolonização já estão sendo trilhados pela sabedoria da arquitetura vernacular, pela filosofia da bioarquitetura e pela práxis política de coletivos de assessoria técnica.

Com base nesta análise, formulam-se as seguintes recomendações:

  1. Para a Política Pública:

    • Reforma da Política de Patrimônio (IPHAN): Reconhecer os sistemas sociotécnicos construtivos indígenas como um patrimônio cultural integrado.

    • Implementação Efetiva da Política Nacional do Bambu: Regulamentar plenamente e destinar recursos para a execução da Lei nº 12.484/2011.

    • Mandato de Participação Popular (ATHIS): Tornar a aplicação de metodologias de Assessoria Técnica (ATHIS) um requisito obrigatório para todas as políticas de habitação de interesse social.

  2. Para a Prática Arquitetônica:

    • Mudança do Ethos Profissional: Migrar do arquétipo do "arquiteto-autor" para o de arquiteto-facilitador.

    • Adoção de Princípios da Bioarquitetura: Incorporar ativamente materiais locais de baixo impacto e design passivo.

  3. Para a Academia e a Pesquisa:

    • Descolonização do Currículo: Reformular os currículos de arquitetura para incluir, de forma central, conhecimentos de antropologia, sociologia e estudos decoloniais.

    • Fomento à Pesquisa Aplicada: Investir em pesquisa sobre a economia política da construção civil e no desenvolvimento de cadeias produtivas para materiais sustentáveis.

Em suma, uma arquitetura verdadeiramente brasileira e contemporânea não emergirá da mineração estética de sua diversidade cultural, mas de um realinhamento de suas práticas com a pluralidade social, ecológica e epistêmica de seu território.

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