Ultimato Climático: Para Além do Capitalismo, Rumo a uma Transição Justa e Democrática
Introdução: O Ultimato Científico e a Crise de Paradigma
A humanidade enfrenta um ultimato. Não se trata de uma exigência política ou de uma negociação diplomática, mas de um veredito emitido pelas leis da física e da química que governam o sistema climático do nosso planeta. Os dados científicos são inequívocos e formam a base deste ultimato: a atividade industrial humana, organizada sob a égide do capitalismo global, desestabilizou o clima da Terra a um ponto que ameaça a própria continuidade da civilização organizada. A temperatura média global já aumentou aproximadamente 1,18 °C (2,12 °F) acima da média do século XX, com a taxa de aquecimento desde 1982 sendo mais de três vezes superior à média histórica desde 1850. Os dez anos mais quentes já registrados ocorreram todos na última década (2015-2024), com 2024 estabelecendo um novo e alarmante recorde de ano mais quente da história.
Este aquecimento acelerado é uma consequência direta do aumento das concentrações de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera, e a lacuna entre a retórica política e a realidade física é abismal. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), em seu Relatório sobre a Lacuna de Emissões, adverte que, mesmo com a implementação integral de todas as promessas nacionais atuais (as Contribuições Nacionalmente Determinadas, ou NDCs), o mundo está a caminho de um aquecimento catastrófico de 2,6 °C a 3,1 °C até o final do século. Para alinhar a trajetória global com a meta de 1,5 °C do Acordo de Paris — um limiar para além do qual os impactos climáticos se tornam exponencialmente mais perigosos —, as emissões globais precisariam ser cortadas em 42% até 2030 e em 57% até 2035. A escala deste desafio revela a falha monumental da abordagem política global até à data.
No entanto, enquadrar esta crise como um mero fracasso político ou uma falha de implementação é ignorar a sua causa fundamental. Este relatório argumenta que a crise climática não é um acidente, um efeito colateral imprevisto ou uma falha de mercado a ser corrigida com ajustes técnicos. É, em vez disso, o resultado lógico e previsível de um sistema econômico global — o capitalismo — cuja lógica interna é estruturalmente incompatível com a estabilidade ecológica. Utilizando o quadro analítico do economista Richard Wolff, este relatório irá dissecar como a primazia do lucro e a externalização sistemática dos custos sociais e ambientais constituem o motor central da destruição ecológica. O ultimato científico, portanto, não é apenas um chamado para reduzir emissões; é um ultimato para o próprio paradigma econômico. A aceleração da crise não indica um sistema que se auto-corrige lentamente, mas sim um sistema cujos resultados negativos se compõem e se retroalimentam, demonstrando a sua insustentabilidade intrínseca. A questão central que a crise climática nos impõe não é "como podemos consertar o clima dentro do capitalismo?", mas sim "como podemos transitar para além de um sistema que é estruturalmente incapaz de resolver a crise que ele mesmo criou?".
Para responder a esta questão, este relatório está estruturado em quatro capítulos. O Capítulo 1 detalha a crítica wolffiana ao capitalismo, focando na lógica da externalização de custos e como ela se manifesta na profunda desigualdade de carbono. O Capítulo 2 expõe a arquitetura da inação — as estratégias de lobby, desinformação e financiamento que o sistema utiliza para se proteger da regulação e da mudança. O Capítulo 3 avalia criticamente a solução dominante proposta, o "crescimento verde", e argumenta a sua inviabilidade empírica, introduzindo o "decrescimento" como uma alternativa mais coerente. Finalmente, o Capítulo 4 esboça os contornos de uma alternativa viável, baseada na sinergia entre a democracia econômica no local de trabalho, políticas macroeconômicas pós-crescimento e os imperativos de uma transição justa, com aplicação específica ao contexto brasileiro.
Capítulo 1: A Lógica do Lucro e a Externalização do Colapso: Uma Crítica Wolffiana
Para compreender a raiz da crise climática, é imperativo analisar a estrutura fundamental do sistema econômico que a produziu. A obra do economista Richard Wolff oferece uma lente crítica poderosa para esta tarefa, argumentando que a destruição ambiental não é uma anomalia do capitalismo, mas uma sua característica intrínseca e funcional. O cerne da sua análise reside no conceito de "externalização de custos".
A Teoria da Externalização e a Primazia do Lucro
No cálculo da viabilidade e rentabilidade de qualquer empreendimento, uma empresa capitalista considera apenas os seus custos privados: salários, matérias-primas, aluguel, maquinaria, etc. No entanto, o processo produtivo gera uma miríade de outros custos que não figuram nos balanços da empresa. Estes são os custos sociais ou "externalidades". Como Wolff explica, quando uma fábrica polui o ar, os custos associados — o aumento de doenças respiratórias, a corrosão da pintura das casas, a necessidade de limpar com mais frequência — não são suportados pelo capitalista que aufere o lucro. São, em vez disso, externalizados para a sociedade: "nós, o povo, arcamos com os custos" (Wolff, 2020).
Esta falha em contabilizar os custos sociais totais significa que os cálculos de custo-benefício feitos pelos capitalistas são fundamentalmente enviesados e socialmente irracionais. Um projeto pode parecer "rentável" do ponto de vista privado, mesmo que os seus custos sociais superem largamente os seus benefícios. A alegação de que o capitalismo é um sistema "eficiente" colapsa sob este escrutínio, pois ele sistematicamente ignora uma porção massiva dos custos reais da produção.
Esta dinâmica não é acidental; está enraizada na diretiva primária do sistema: a maximização do lucro, o crescimento da empresa e a conquista de quota de mercado. Estes são os "resultados finais" que determinam o sucesso ou o fracasso de uma corporação e orientam as decisões dos seus conselhos de administração e acionistas. Como Wolff aponta, se a proteção do bem-estar dos trabalhadores ou a saúde do planeta entrarem em conflito com estes imperativos, serão sacrificados. Os executivos podem "sentir-se muito mal com isso", mas, dentro da lógica sistêmica, eles "não têm escolha" (Moyers, 2013). Esta é a razão estrutural pela qual décadas de apelos à "responsabilidade social corporativa" voluntária e à autorregulação falharam em produzir as mudanças necessárias. A lógica do sistema prevalece sobre as boas intenções individuais.
A Desigualdade de Carbono como Manifestação da Externalização
A crise climática é a maior e mais perigosa externalidade da história. A conexão entre a teoria abstrata da externalização e a realidade concreta da injustiça climática é vividamente ilustrada pelos dados sobre a desigualdade de carbono. O relatório da Oxfam introduz o conceito de "Dia do Polutocrata" (Pollutocrat Day): o marco em que o 1% mais rico do mundo esgota a sua quota do orçamento de carbono anual global — a quantidade de CO2 que pode ser emitida sem ultrapassar 1,5 °C de aquecimento. Em 2025, este dia chegou em apenas 10 de janeiro.
Esta elite global, composta por 77 milhões de indivíduos, foi responsável por 15,9% das emissões globais de CO2 em 2019. Em gritante contraste, a metade mais pobre da população mundial — 3,9 bilhões de pessoas — foi responsável por apenas 7,7% das emissões no mesmo ano. O 1% mais rico emite, coletivamente, mais do dobro do que os 50% mais pobres. Para cumprir a meta de 1,5 °C, o 1% mais rico precisaria reduzir as suas emissões em 97% até 2030, um número que expõe a insustentabilidade radical do seu modo de vida e de investimento.
Esta disparidade grotesca é a externalização em escala planetária. O estilo de vida luxuoso, os investimentos poluentes e a acumulação de riqueza de uma minoria ínfima são diretamente subsidiados pela degradação da estabilidade atmosférica que afeta toda a humanidade. Os custos — sob a forma de secas, inundações, tempestades e insegurança alimentar — são empurrados para as populações mais vulneráveis, que são as menos responsáveis pela crise. Pessoas em países de baixo e médio-baixo rendimento têm cerca de cinco vezes mais probabilidade de serem deslocadas por desastres climáticos súbitos do que as de países de alto rendimento. A crise climática agrava a pobreza, a fome e a desigualdade de gênero, uma vez que as mulheres, que constituem 70% da população mundial abaixo da linha da pobreza, frequentemente carregam os fardos mais pesados da escassez de água e alimentos.
A crise climática e a crise da desigualdade não são, portanto, problemas separados. São duas faces da mesma dinâmica sistêmica. O sistema capitalista funciona concentrando os benefícios (lucros e riqueza) nas mãos de poucos, enquanto socializa e externaliza os custos (degradação ambiental e colapso social) para a maioria. Este processo espelha a "Parábola de Lauderdale", articulada por James Maitland no século XVIII, que observou que o aumento das "riquezas privadas" é frequentemente alcançado através da destruição da "riqueza pública". A estabilidade climática é o bem público último, e a sua destruição para o enriquecimento privado é a manifestação final desta parábola trágica.
Tabela 1: Desigualdade de Carbono: Emissões e Responsabilidade por Faixa de Renda Global (Dados de 2019)
Grupo Populacional | População Absoluta (Aprox.) | Percentual das Emissões Globais de CO2 | Emissões per capita (tCO2/ano) | Redução de emissões necessária até 2030 (para meta de 1.5°C) |
---|---|---|---|---|
1% mais rico | 77 milhões | 15,9% | 76 | 97% |
10% mais ricos | 770 milhões | 48,0% | 23 | 87% |
40% do meio | 3,1 bilhões | 44,3% | 5 | 50% |
50% mais pobres | 3,9 bilhões | 7,7% | 0,7 | - (já abaixo da meta) |
Fonte: Elaborado com base em dados da Oxfam (2025).
A tabela acima quantifica a crítica de Wolff. Ela demonstra que a responsabilidade pela crise climática é imensamente diferenciada. A narrativa de que "somos todos culpados" obscurece o fato de que o sistema é projetado para beneficiar desproporcionalmente uma pequena elite, cujos padrões de consumo e investimento são o principal motor das emissões, enquanto os custos são impostos àqueles que mal contribuem para o problema.
Capítulo 2: A Arquitetura da Inação: Lobby, Desinformação e o Financiamento do Caos Climático
A persistência da crise climática face a décadas de alertas científicos não pode ser atribuída apenas à inércia ou à ignorância. Ela é o resultado de uma defesa ativa e estratégica do status quo por parte dos interesses que mais beneficiam dele. O sistema capitalista, confrontado com a ameaça existencial da regulação climática, mobilizou vastos recursos para garantir a sua autopreservação. Este capítulo examina a arquitetura desta inação deliberada, focando no lobby da indústria fóssil, nas campanhas de desinformação e, crucialmente, no papel do setor financeiro como o motor que alimenta o caos climático. Estas ações confirmam a previsão de Richard Wolff de que qualquer tentativa de regulação significativa será combatida por "exércitos de lobistas" para garantir que seja "evitada, contornada e diluída" (Moyers, 2013).
O Caso Paradigmático da ExxonMobil: Saber, Negar, Lucrar
A história da ExxonMobil serve como um estudo de caso paradigmático da dissonância cognitiva deliberada do capital. Investigações baseadas em documentos internos da empresa revelaram que, já nas décadas de 1970 e 1980, os cientistas da Exxon estavam na vanguarda da pesquisa climática. Os seus modelos previram o aquecimento global com uma "habilidade e precisão chocantes", superando por vezes os de cientistas acadêmicos e governamentais. Os seus próprios pesquisadores previram corretamente que o aquecimento global causado pelo homem se tornaria detectável por volta do ano 2000 e estimaram com razoável precisão a quantidade de CO2 que levaria a um aquecimento perigoso. Um memorando interno de 1982 reconhecia o consenso científico de que a duplicação do CO2 atmosférico levaria a um aumento de temperatura de 3,0 °C (± 1,5 °C).
Apesar deste conhecimento interno profundo, a postura pública da empresa foi a antítese da sua ciência. A partir do final da década de 1980, a ExxonMobil embarcou numa campanha multimilionária e multidecadal para "semear a dúvida" e "confundir o público". A empresa financiou dezenas de organizações e grupos de frente que promoviam a negação climática, atacavam o consenso científico e enfatizavam a "incerteza". Uma análise de conteúdo realizada por pesquisadores de Harvard concluiu que, enquanto 83% dos artigos científicos revistos por pares publicados pela ExxonMobil reconheciam a realidade da mudança climática, 81% dos seus "advertoriais" (anúncios pagos com aparência de artigos de opinião) no
The New York Times expressavam dúvida. Esta estratégia foi fundamental para bloquear a ação política, nomeadamente a ratificação do Protocolo de Quioto pelos Estados Unidos. O caso da ExxonMobil não é sobre ignorância, mas sobre uma escolha calculada: a proteção dos lucros foi priorizada sobre a verdade científica e a estabilidade planetária.
A Captura Regulatória e a Socialização da Culpa
A estratégia da ExxonMobil foi replicada por toda a indústria de combustíveis fósseis. O lobby fóssil gastou mais de 2 bilhões de dólares nos EUA entre 2000 e 2016 para influenciar a legislação e bloquear políticas climáticas. Esta indústria financiou "grupos-sombra" para combater regulamentações como o
Clean Power Plan e o Protocolo de Quioto, e continua a lutar contra políticas favoráveis ao clima em nível estadual e federal.
Uma das táticas mais insidiosas desta campanha foi a de desviar a responsabilidade da produção sistêmica para o consumo individual. Em 2004, a petrolífera BP contratou uma empresa de relações públicas para popularizar o conceito de "pegada de carbono" individual. A campanha foi um sucesso notável, incutindo na consciência pública a ideia de que a crise climática era uma questão de escolhas de estilo de vida pessoal (reciclar mais, usar menos o carro), em vez de ser uma consequência da produção de combustíveis fósseis em escala industrial. Esta manobra de relações públicas serviu para despolitizar a crise e proteger o modelo de negócio da indústria, transferindo o ônus da solução dos produtores para os consumidores.
O Motor Financeiro: Financiando o Caos Climático
Se a indústria fóssil é o corpo do problema, o setor financeiro global é o seu sistema circulatório, bombeando o capital que o mantém vivo e em expansão. A narrativa de que o capital está a transitar voluntariamente para uma economia verde é desmentida de forma esmagadora pelos fatos. O relatório Banking on Climate Chaos 2025, uma análise exaustiva do financiamento de combustíveis fósseis, revela uma realidade chocante: em vez de diminuir, o financiamento aumentou drasticamente.
Em 2024, os 65 maiores bancos do mundo canalizaram um total de 869 bilhões de dólares para a indústria de combustíveis fósseis, um aumento impressionante de 162,5 bilhões de dólares (23%) em relação a 2023. Este aumento reverteu uma tendência de ligeira queda observada nos anos anteriores. Desde a assinatura do Acordo de Paris em 2016, estes mesmos bancos injetaram um total de 7,9 trilhões de dólares no setor.
Crucialmente, uma parte significativa deste financiamento — 429 bilhões de dólares em 2024 — foi direcionada para empresas com planos ativos de expansão de combustíveis fósseis, como novos oleodutos, terminais de gás natural liquefeito (GNL) e campos de petróleo. Isto ocorre apesar do consenso científico, articulado pela Agência Internacional de Energia (AIE), de que não há espaço para quaisquer novos projetos de combustíveis fósseis num cenário compatível com 1,5 °C.
Os bancos norte-americanos são os principais culpados, sendo responsáveis por um terço de todo o financiamento fóssil em 2024. JPMorgan Chase, Bank of America e Citigroup lideram o ranking global de financiadores do caos climático. Este aumento no financiamento coincide com a retirada de vários grandes bancos de alianças climáticas voluntárias, como a
Net-Zero Banking Alliance (NZBA), sinalizando um abandono das suas já débeis promessas climáticas em face da pressão política e da atração de lucros fáceis.
O comportamento do setor financeiro revela a falha central na narrativa do "capitalismo verde". Enquanto a defesa da indústria fóssil pode ser vista como a de um setor legado a proteger os seus interesses, o investimento maciço do setor financeiro na expansão fóssil demonstra que o problema reside na própria lógica da acumulação de capital. O capital financeiro procura o maior retorno no menor tempo possível. Enquanto os combustíveis fósseis, auxiliados por subsídios e custos externalizados, oferecerem esses retornos, o capital fluirá para eles, independentemente das consequências planetárias a longo prazo. O sistema financeiro, na sua forma atual, não é um salvador potencial, mas sim um acelerador primário da crise.
Como contraponto a esta arquitetura de inação, uma onda crescente de litígios climáticos está a tentar impor responsabilidade. Cidades, estados e grupos de cidadãos em todo o mundo estão a processar empresas de combustíveis fósseis e governos por danos climáticos, fraude e violação de direitos humanos. Pareceres consultivos de tribunais internacionais, como o do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), estão a afirmar as obrigações legais dos Estados de regular os poluidores e proteger os cidadãos dos danos climáticos, com base no direito internacional consuetudinário. Embora o seu sucesso seja incerto, esta frente legal representa uma das poucas vias restantes para desafiar o poder entrincheirado do capital fóssil dentro das estruturas existentes.
Tabela 2: Financiamento de Combustíveis Fósseis pelos Maiores Bancos Globais (2023-2024)
Banco | País Sede | Financiamento Total em 2023 (US$ bilhões) | Financiamento Total em 2024 (US$ bilhões) | Variação 2023-2024 (%) | Financiamento para Expansão em 2024 (US$ bilhões) |
---|---|---|---|---|---|
JPMorgan Chase | EUA | 40,8 | 53,5 | +31,1% | 23,1 |
Bank of America | EUA | 32,5 | 40,5 | +24,6% | 19,5 |
Citigroup | EUA | 28,5 | 40,4 | +41,8% | 20,4 |
Mizuho | Japão | 37,0 | 40,3 | +8,9% | 18,8 |
MUFG | Japão | 35,2 | 38,1 | +8,2% | 19,4 |
Barclays | Reino Unido | 24,2 | 35,4 | +46,3% | 15,8 |
Wells Fargo | EUA | 26,1 | 33,5 | +28,4% | 14,7 |
Santander | Espanha | 14,5 | 17,3 | +19,3% | 8,2 |
BNP Paribas | França | 15,1 | 16,5 | +9,3% | 7,0 |
SMBC | Japão | 28,1 | 27,9 | -0,7% | 14,0 |
Fonte: Elaborado com base em dados do relatório Banking on Climate Chaos 2025 (Rainforest Action Network et al., 2025). Os valores de 2023 são baseados em dados do relatório de 2024, que utilizou uma metodologia expandida.
Capítulo 3: O Impasse das Soluções de Mercado: "Crescimento Verde" e a Falácia da Decuplagem Absoluta
Confrontado com a evidência esmagadora da crise climática, o paradigma econômico dominante não permaneceu em silêncio. Propôs uma solução que promete reconciliar o irreconciliável: o "crescimento verde". Esta narrativa, agora hegemônica em instituições como o Banco Mundial, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e as Nações Unidas, postula que a prosperidade econômica, medida pelo Produto Interno Bruto (PIB), pode continuar a sua expansão perpétua enquanto os seus impactos ambientais são drasticamente reduzidos. Este capítulo avalia criticamente esta proposta, argumentando que o crescimento verde é uma quimera teórica e uma impossibilidade empírica na escala e no prazo exigidos pelo ultimato climático. Em seu lugar, emerge o paradigma do "decrescimento" como uma abordagem mais cientificamente honesta e ecologicamente coerente.
O Paradigma do Crescimento Verde e o Mito da Decuplagem
O pilar central do crescimento verde é o conceito de "decuplagem absoluta". A teoria sustenta que, através da inovação tecnológica, ganhos de eficiência e uma transição para indústrias "verdes", uma economia pode aumentar o seu PIB enquanto diminui o seu consumo de materiais e as suas emissões de gases de efeito estufa em termos absolutos. É apresentada como uma estratégia "ganha-ganha", capaz de gerar "empregos verdes" e enfrentar a crise climática sem exigir mudanças fundamentais na estrutura de uma economia de mercado baseada na acumulação.
No entanto, a evidência empírica para esta afirmação é extremamente fraca, se não inexistente. Como o antropólogo econômico Jason Hickel e outros economistas ecológicos demonstram, não há um único exemplo histórico de um país que tenha alcançado uma decuplagem absoluta do PIB em relação ao consumo de recursos e às emissões a uma taxa remotamente próxima da necessária para cumprir as metas do Acordo de Paris. O problema é duplo:
-
A Escala do Desafio da Descarbonização: A energia é o motor do crescimento econômico. Embora a capacidade de energia limpa esteja a aumentar, ela mal consegue acompanhar o crescimento da procura global de energia. Entre 2000 e o presente, a nova capacidade de energia limpa cobriu apenas 16% do novo consumo de energia, com os restantes 84% a serem satisfeitos por combustíveis fósseis. Para manter um crescimento do PIB global de 3% ao ano (a média histórica recente) e, ao mesmo tempo, permanecer dentro do orçamento de carbono para 1,5 °C, a economia mundial teria de se descarbonizar a uma taxa de 10,5% ao ano. Se o crescimento abrandar para 2,1%, a taxa de descarbonização necessária ainda seria de 9,6% ao ano. Estas taxas são ordens de magnitude superiores a qualquer coisa já alcançada ou que os modelos empíricos considerem viável.
-
O Efeito Ricochete e os Limites Materiais: A história da industrialização está repleta do "paradoxo de Jevons" ou "efeito ricochete": os ganhos de eficiência, ao tornarem um recurso ou processo mais barato, muitas vezes levam a um aumento do seu consumo total, anulando os benefícios ambientais. Além disso, a própria transição para uma economia "verde" tem uma pegada material massiva. A construção de painéis solares, turbinas eólicas e baterias requer a extração de vastas quantidades de lítio, cobalto, cobre e outros minerais. Uma economia global em crescimento, mesmo que alimentada por energias renováveis, continuaria a exercer uma pressão imensa sobre os ecossistemas através da mineração, desflorestação e perda de biodiversidade, empurrando-nos para além de outras fronteiras planetárias.
O crescimento verde, portanto, não parece ser uma estratégia viável, mas sim uma narrativa de tranquilização. Permite que os decisores políticos e os líderes empresariais mantenham um compromisso retórico com a ação climática, ao mesmo tempo que evitam as mudanças estruturais necessárias e perpetuam o imperativo de crescimento que está na raiz da crise. É uma forma de "discurso de adiamento climático".
A Alternativa Coerente: Introduzindo o Decrescimento
Se o crescimento é incompatível com a sobrevivência ecológica, então uma economia pós-crescimento deve ser considerada. O "decrescimento" (degrowth) emerge aqui não como uma recessão indesejada, mas como uma proposta política deliberada: uma redução planejada, democrática e equitativa da produção e do consumo nas nações de alto rendimento, com o objetivo de trazer as suas economias de volta ao equilíbrio com o mundo vivo.
O objetivo do decrescimento não é reduzir o PIB por si só — isso seria confundir o indicador com o objetivo. O objetivo é abandonar o crescimento do PIB como o principal barômetro do progresso social e, em vez disso, focar-se diretamente na satisfação das necessidades humanas e na regeneração ecológica. Isto implica reduzir radicalmente as formas de produção ecologicamente destrutivas e socialmente menos necessárias (por exemplo, a indústria de combustíveis fósseis, a moda rápida, os SUVs, a publicidade, a carne produzida industrialmente) e, ao mesmo tempo, expandir os setores que melhoram o bem-estar (por exemplo, cuidados de saúde universais, educação pública, energias renováveis, agricultura regenerativa).
Esta abordagem, longe de ser uma fantasia utópica, está a ganhar terreno no discurso científico dominante. O próprio Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), no seu Sexto Relatório de Avaliação, incluiu um cenário de mitigação chamado "Baixa Procura de Energia" (LED - Low Energy Demand). Este cenário é o único que atinge a meta de 1,5 °C sem depender de tecnologias de emissões negativas especulativas e potencialmente perigosas, como a Bioenergia com Captura e Armazenamento de Carbono (BECCS). O cenário LED é, na sua essência, um cenário de decrescimento: ele projeta uma redução significativa da produção e consumo de materiais e energia, especialmente nos países do Norte Global, ao mesmo tempo que melhora os padrões de vida. A inclusão deste cenário pelo IPCC sugere que o decrescimento pode ser a única via viável para cumprir as metas do Acordo de Paris, marcando um ponto de viragem na teoria da mitigação climática.
O debate entre crescimento verde e decrescimento é, portanto, a batalha ideológica central sobre o futuro da ação climática. A evidência empírica e os modelos climáticos indicam que a posição do decrescimento está mais alinhada com a realidade física.
Tabela 3: Cenários de Aquecimento Global e a Lacuna de Emissões
Cenário | Aumento de Temperatura Projetado até 2100 (em °C) | Emissões Globais Anuais Projetadas em 2030 (GtCO2e) | Lacuna de Emissões em 2030 (vs. 1.5°C) (GtCO2e) | Redução % de Emissões Necessária até 2030 (vs. 2019) |
---|---|---|---|---|
Políticas Atuais | 3,1 | 58 | 34 | N/A (aumento) |
Compromissos (NDCs) Incondicionais | 2,8 | 55 | 31 | 7% |
Compromissos (NDCs) Condicionais | 2,6 | 53 | 29 | 11% |
Caminho para 2,0°C | < 2,0 | 41 | 17 | 28% |
Caminho para 1,5°C | < 1,5 | 24 | 0 | 42% |
Fonte: Elaborado com base em dados do UNEP Emissions Gap Report (2024) e World Resources Institute (WRI).
A tabela acima fornece o "boletim de notas" quantitativo do fracasso das abordagens convencionais. Ela demonstra o abismo entre a retórica política (as metas do Acordo de Paris) e a trajetória real das emissões sob as políticas e promessas atuais. A magnitude da "lacuna de emissões" — a diferença entre onde estamos a ir e onde precisamos de estar — torna claro que meros ajustes incrementais são insuficientes. É necessária uma mudança de paradigma, uma que questione a própria premissa do crescimento como um objetivo social primordial.
Capítulo 4: Esboçando a Alternativa: Democracia Econômica e Bem-Estar Ecológico
Após a desconstrução crítica do sistema capitalista e das suas falsas soluções, este capítulo final dedica-se a construir uma visão coerente e viável para um futuro sustentável e justo. A premissa central é que uma transformação bem-sucedida requer uma abordagem de duas frentes, profundamente sinérgica: a democratização da economia no nível micro (o local de trabalho) e a sua reorientação no nível macro (políticas pós-crescimento). Todo este processo deve ser guiado pelos princípios de uma transição justa, garantindo que ninguém é deixado para trás.
A Resposta Estrutural: Democratizando o Local de Trabalho
A solução fundamental de Richard Wolff para as contradições do capitalismo não é a propriedade estatal ou o planejamento central, mas a transformação da organização interna das empresas. Ele propõe a substituição da estrutura hierárquica e autocrática da empresa capitalista por Empresas Autodirigidas pelos Trabalhadores (WSDEs, na sigla em inglês), mais comumente conhecidas como cooperativas de trabalhadores.
Numa WSDE, a dicotomia entre empregador e empregado é abolida. Os trabalhadores, coletiva e democraticamente, tomam as decisões cruciais: o que produzir, como e onde produzir, e, mais importante, como distribuir os lucros gerados pelo seu trabalho. O princípio fundamental é "um trabalhador, um voto". Esta mudança estrutural, argumenta Wolff, resolve o problema central da externalização de custos. Os trabalhadores, que são simultaneamente os proprietários e os decisores da empresa, vivem nas comunidades onde a empresa opera. Eles não votarão para poluir o seu próprio ar e água, para deslocalizar os seus próprios empregos para o estrangeiro em busca de mão de obra mais barata, ou para produzir bens de má qualidade que eles próprios e os seus vizinhos consumiriam.
Neste modelo, os custos sociais são internalizados no processo de tomada de decisão. O "resultado final" da empresa expande-se para além do lucro monetário e passa a incluir um conjunto mais vasto de objetivos: o bem-estar dos trabalhadores e das suas famílias, a saúde da comunidade local, a qualidade de vida no trabalho e a sustentabilidade ambiental. A empresa deixa de ser uma entidade extrativa, focada em maximizar o valor para acionistas distantes, e torna-se uma instituição comunitária, responsável perante os seus membros e o seu ambiente.
O exemplo mais proeminente deste modelo no mundo real é a Corporação Mondragon, uma federação de cooperativas de trabalhadores no País Basco, Espanha. Fundada em 1956, Mondragon cresceu e tornou-se um conglomerado global com dezenas de milhares de trabalhadores-membros em áreas que vão desde a indústria e finanças à distribuição e conhecimento. A sua estrutura é baseada em princípios de governação democrática, soberania do trabalho, solidariedade salarial e um compromisso explícito com o desenvolvimento comunitário, doando 10% dos seus lucros para projetos sociais e educacionais. No entanto, uma análise crítica não deve idealizar Mondragon. A corporação enfrenta os desafios de competir num mercado capitalista global, e estudos recentes apontam para uma falta de transparência nos seus relatórios de sustentabilidade e para o risco de "greenwashing", levantando questões sobre a profundidade do seu compromisso ambiental na prática. Este caso demonstra tanto o imenso potencial da democracia no local de trabalho como as complexidades de a implementar dentro de um sistema global hostil aos seus princípios.
Políticas para uma Prosperidade Pós-Crescimento
A democracia no local de trabalho, por si só, não é suficiente. As cooperativas democráticas, para florescerem, necessitam de um ambiente macroeconômico que não as force a competir nos termos destrutivos do capitalismo convencional. É aqui que as propostas políticas do movimento de decrescimento se tornam um complemento essencial. A sinergia entre o micro (WSDEs) e o macro (políticas de decrescimento) é a chave para uma transformação sistêmica.
As políticas-chave propostas por Jason Hickel e outros teóricos do decrescimento visam libertar a sociedade da sua dependência do crescimento do PIB para alcançar o bem-estar social. As principais propostas incluem:
-
Reduzir a produção destrutiva e desnecessária: Implementar legislação para acabar com a obsolescência planejada, garantindo que produtos como eletrodomésticos durem décadas em vez de anos. Introduzir um "direito à reparação" universal. Proibir a publicidade em espaços públicos para reduzir as pressões consumistas. E, mais importante, reduzir ativamente indústrias ecologicamente devastadoras, como a de combustíveis fósseis, a moda rápida, a produção de SUVs e a agropecuária industrial.
-
Garantir o bem-estar e a equidade: Implementar uma semana de trabalho significativamente mais curta (por exemplo, 32 horas ou menos) e um programa de garantia de emprego verde, que ofereça trabalho digno em setores como a restauração de ecossistemas, cuidados e energias renováveis. Expandir massivamente os serviços públicos universais e de alta qualidade — saúde, educação, habitação, transporte público, cuidados infantis — para que o bem-estar humano seja dissociado da capacidade de rendimento individual.
-
Promover a justiça distributiva: Estabelecer uma renda básica universal juntamente com um limite máximo de rendimento e riqueza (por exemplo, através de rácios salariais e impostos altamente progressivos sobre a riqueza e a herança). Isto serve para reduzir a desigualdade, que é um motor do consumo posicional (consumo para exibir status) e da acumulação excessiva, e para financiar a expansão dos serviços públicos.
Estas políticas macroeconômicas criam um ambiente estável e equitativo onde as empresas democráticas (WSDEs) podem prosperar sem a pressão implacável para crescer a todo o custo. Uma semana de trabalho mais curta, por exemplo, torna a partilha de trabalho e a garantia de emprego mais viáveis, enquanto os serviços públicos universais reduzem a precariedade e a dependência do consumo para a sobrevivência e o bem-estar. Juntas, estas duas abordagens formam os pilares de uma economia pós-capitalista coerente.
A Transição Justa como Imperativo Ético e Prático
A transformação econômica de tal magnitude — a transição de uma economia baseada em combustíveis fósseis e crescimento para uma baseada em energias renováveis e bem-estar ecológico — terá inevitavelmente vencedores e perdedores. Comunidades inteiras cujas economias dependem da extração de carvão, petróleo e gás enfrentarão perturbações massivas. Para que esta transição seja politicamente viável e eticamente defensável, ela deve ser uma "transição justa".
As "Diretrizes para uma transição justa para economias e sociedades ambientalmente sustentáveis para todos", da Organização Internacional do Trabalho (OIT), fornecem o quadro de referência global para este processo. Uma transição justa, segundo a OIT, significa esverdear a economia de uma forma que seja o mais justa e inclusiva possível para todos os envolvidos. Os seus pilares fundamentais são:
-
Diálogo Social: Envolvimento significativo de todos os stakeholders — governos, empregadores e sindicatos de trabalhadores — na formulação de políticas.
-
Proteção Social: Criação de redes de segurança robustas, como subsídios de desemprego, benefícios de saúde e pensões, para apoiar os trabalhadores e as comunidades durante a transição.
-
Direitos no Trabalho: Respeito pelos princípios e direitos fundamentais no trabalho, incluindo a liberdade de associação e a negociação coletiva.
-
Criação de Emprego Digno e Requalificação: Investimento maciço em programas de requalificação e desenvolvimento de competências para preparar os trabalhadores para os empregos da nova economia verde.
A aplicação destes princípios ao contexto brasileiro é crucial, especialmente na Amazônia. A região, que detém um papel central na geração de energia renovável do país, mas que paradoxalmente depende de termelétricas poluentes para o seu próprio consumo, enfrenta um dilema agudo. Uma transição justa na Amazônia exige o fim do modelo extrativista e a promoção de um novo paradigma de desenvolvimento. Propostas concretas, apoiadas por instituições como o Instituto Clima e Sociedade (iCS), incluem o desinvestimento em atividades que destroem a floresta (como a agropecuária extensiva e a mineração ilegal) e o redirecionamento de investimentos para uma bioeconomia baseada na floresta em pé. Isto implica gerar produtos de alto valor agregado a partir da biodiversidade, fortalecer as cadeias produtivas locais, garantir a demarcação e proteção dos territórios indígenas e quilombolas, e canalizar financiamento climático para os governos locais implementarem ações de adaptação e mitigação. A urgência desta transição é sublinhada pelas projeções de que as mudanças climáticas terão impactos severos na agricultura brasileira, afetando desproporcionalmente as regiões mais pobres e os trabalhadores menos qualificados, exacerbando as desigualdades existentes. Sem um quadro de transição justa, a ação climática corre o risco de replicar as mesmas injustiças do sistema que procura substituir.
Conclusão: O Ultimato Reconsiderado – Um Chamado à Transformação Socioeconômica
O ultimato climático, tal como delineado pela ciência, força a humanidade a uma encruzilhada histórica. Este relatório argumentou que este não é um ultimato que pode ser respondido com ajustes marginais, inovações tecnológicas isoladas ou promessas de mercado. A crise climática não é uma falha do sistema; é o sistema a funcionar como projetado. É o resultado inevitável de uma lógica econômica que prioriza a acumulação de capital a curto prazo sobre a estabilidade ecológica e o bem-estar humano a longo prazo.
A análise, guiada pela crítica de Richard Wolff, demonstrou que o motor desta crise é a externalização sistemática dos custos. O capitalismo, na sua busca incessante por lucro, empurra os custos ambientais e sociais para a sociedade, para as gerações futuras e, desproporcionalmente, para as nações e populações mais vulneráveis do Sul Global. Esta dinâmica é protegida por uma formidável arquitetura de inação: uma indústria de combustíveis fósseis que, durante décadas, financiou a desinformação para semear a dúvida sobre a ciência que os seus próprios pesquisadores confirmavam; e um setor financeiro global que, mesmo hoje, continua a injetar centenas de bilhões de dólares anualmente na expansão de uma indústria que sabe ser destrutiva.
As soluções convencionais oferecidas dentro deste paradigma revelam-se inadequadas. O "crescimento verde", a narrativa dominante de que podemos desassociar o crescimento do PIB do impacto ambiental, carece de qualquer base empírica sólida. A escala e a velocidade da decuplagem necessárias são fisicamente implausíveis. Esta promessa funciona menos como uma estratégia viável e mais como um mecanismo de adiamento, uma forma de evitar as mudanças estruturais profundas que a crise exige.
O ultimato, portanto, deve ser reconsiderado. Não é uma escolha entre crescimento econômico e estagnação, mas sim entre a continuação de um sistema organizado para a acumulação de riqueza por uma elite e a construção de uma economia projetada para o bem-estar coletivo num planeta habitável. A via para responder a este ultimato não é tecnológica, mas fundamentalmente democrática.
Este relatório esboçou os contornos de uma alternativa coerente, baseada numa sinergia poderosa entre o micro e o macro. No nível micro, a democracia econômica, através de cooperativas de trabalhadores (WSDEs), internaliza os custos e alinha as decisões de produção com os objetivos sociais e ecológicos. No nível macro, as políticas de decrescimento criam um ambiente que liberta a sociedade da dependência do crescimento, focando-se na suficiência, na equidade e na expansão dos bens comuns. A transição para este novo sistema deve ser guiada pelo imperativo ético e prático de uma transição justa, garantindo que os custos e benefícios da transformação sejam partilhados equitativamente.
Neste contexto, a crescente onda de litígios climáticos emerge não como uma panaceia, mas como uma ferramenta crucial de justiça transicional. A responsabilização legal e financeira dos arquitetos da crise — as grandes empresas de combustíveis fósseis e os seus financiadores — é um passo essencial para desmantelar a sua licença social para operar, para reaver uma parte dos lucros ilícitos para financiar a transição e para criar o espaço político necessário para as mudanças radicais aqui propostas.
Em última análise, a crise climática expõe a contradição mais profunda da nossa era: a coexistência de uma democracia política nominal com uma autocracia econômica real. Como Wolff salienta, a esfera onde a maioria dos adultos passa a maior parte das suas vidas, o local de trabalho, permanece uma das instituições mais antidemocráticas da sociedade. As decisões tomadas nestes espaços autocráticos têm consequências que minam a segurança e a própria viabilidade da esfera democrática. O ultimato climático é, portanto, também um ultimato democrático. Ou estendemos os princípios da democracia à esfera econômica, ou assistiremos ao poder econômico antidemocrático tornar a democracia política irrelevante ao destruir os seus próprios fundamentos ecológicos. A resposta ao ultimato não reside em encontrar um remendo para o sistema atual, mas em ter a coragem de construir um que seja fundamentalmente diferente.
Referências
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10520: Informação e documentação - Citações em documentos - Apresentação. Rio de Janeiro: ABNT, 2023.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023: Informação e documentação - Referências - Elaboração. Rio de Janeiro: ABNT, 2018.
CLIMATE ANALYTICS. Emissions Gap Report 2024: No More Hot Air Please. Berlin: Climate Analytics, 2024. Disponível em: https://climateanalytics.org/publications/emissions-gap-report-2024-no-more-hot-air-please. Acesso em: 10 dez. 2024.
DEMOCRACY AT WORK. About Co-ops. New York: Democracy at Work, [20--]. Disponível em: https://www.democracyatwork.info/about_co_ops. Acesso em: 10 dez. 2024.
FERREIRA FILHO, J. B. de S.; HORRIDGE, M. Climate change impacts on Brazilian agriculture. In: WORLD BANK. Brazil: Impacts of Climate Change on Brazilian Agriculture. Washington, D.C.: World Bank, 2010. p. 1-25.
HICKEL, J. Degrowth and the Lauderdale Paradox. Real-World Economics Review, n. 87, p. 54-62, 2019. Disponível em: https://www.paecon.net/PAEReview/issue87/Hickel87.pdf. Acesso em: 10 dez. 2024.
HICKEL, J. Less is More: How Degrowth Will Save the World. London: Penguin Random House, 2020.
HÖSI, V. Persisting values in changing times? An analysis of Mondragon Corporation’s engagement with environmental sustainability. Sortuz: Oñati Journal of Emergent Socio-Legal Studies, v. 15, n. 1, 2025. Disponível em: https://opo.iisj.net/index.php/sortuz/article/view/2188. Acesso em: 10 dez. 2024.
INSTITUTO CLIMA E SOCIEDADE. Instituto lança edital para projetos que protejam Amazônia. Rio de Janeiro: Agência Brasil, 2025. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2025-05/instituto-lanca-edital-para-projetos-que-protejam-amazonia. Acesso em: 10 dez. 2024.
INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. Guidelines for a just transition towards environmentally sustainable economies and societies for all. Geneva: ILO, 2015. Disponível em: https://www.ilo.org/global/topics/green-jobs/publications/WCMS_432859/lang--en/index.htm. Acesso em: 10 dez. 2024.
MOYERS, B. Richard Wolff on Capitalism's Destructive Power. Moyers & Company, 2013. Disponível em: https://billmoyers.com/segment/richard-wolff-on-capitalisms-destructive-power/. Acesso em: 10 dez. 2024.
OXFAM. Richest 1% burn through their entire annual carbon limit in just 10 days. Oxford: Oxfam, 2025. Disponível em: https://www.oxfam.org.uk/media/press-releases/richest-1-burn-through-their-entire-annual-carbon-limit-in-just-10-days/. Acesso em: 10 dez. 2024.
RAINFOREST ACTION NETWORK et al. Banking on Climate Chaos: Fossil Fuel Finance Report 2025. San Francisco: Rainforest Action Network, 2025. Disponível em: https://www.bankingonclimatechaos.org. Acesso em: 10 dez. 2024.
SABIN CENTER FOR CLIMATE CHANGE LAW. Climate Litigation Updates (July 23, 2025). New York: Columbia Law School, 2025. Disponível em: https://www.ucs.org/about/news/icj-climate-advisory-opinion. Acesso em: 10 dez. 2024.
SABIN CENTER FOR CLIMATE CHANGE LAW. Harvard-led analysis finds ExxonMobil internal research accurately predicted climate change. The Harvard Gazette, 2023. Disponível em: https://news.harvard.edu/gazette/story/2023/01/harvard-led-analysis-finds-exxonmobil-internal-research-accurately-predicted-climate-change/. Acesso em: 10 dez. 2024.
UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME. Emissions Gap Report 2024: No more hot air please. Nairobi: UNEP, 2024. Disponível em: https://www.unep.org/resources/emissions-gap-report-2024. Acesso em: 10 dez. 2024.
WOLFF, R. D. Capitalism and Climate Change. Economic Update, 2020. Vídeo (10 min). Publicado pelo canal Democracy at Work. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zSFkvI7GueY. Acesso em: 10 dez. 2024.
WORLD RESOURCES INSTITUTE. Assessing the 2025 NDCs. Washington, D.C.: WRI, 2025. Disponível em: https://www.wri.org/insights/assessing-2025-ndcs. Acesso em: 10 dez. 2024.