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Simón Vélez: A Arquitetura do Aço Vegetal e a Inovação Social

Introdução: O Mestre-Construtor e o Paradigma do Bambu

Simón Vélez emerge no panorama da arquitetura contemporânea não apenas como um arquiteto, mas como um pensador crítico e um inovador técnico que recontextualizou um dos materiais mais antigos da humanidade dentro de um discurso resolutamente moderno. Nascido na Colômbia, Vélez transcendeu as fronteiras regionais para se tornar uma figura de proa global, cujo trabalho com o bambu Guadua desafiou preconceitos culturais e limitações de engenharia¹. Com edifícios projetados em mais de 11 países, incluindo nações industrializadas como Alemanha e França¹, sua obra constitui uma prova contundente de que sua filosofia arquitetônica possui uma relevância universal. Sua prática é definida por uma fusão magistral entre materiais tradicionais e um design inovador e sustentável, deixando uma marca indelével na forma como o mundo percebe as possibilidades construtivas do bambu⁴. Este relatório analisa a trajetória de Vélez, explorando as fundações de sua filosofia, suas revoluções técnicas, suas obras mais emblemáticas e sua ambição de aplicar estes conhecimentos à habitação social. Seu trabalho não é apenas sobre construir com bambu; é sobre propor uma nova relação entre arquitetura, natureza e sociedade, onde a inteligência material e a dignidade humana são os pilares centrais.

Índice

Capítulo 1: Fundamentos e Filosofia - As Raízes da Inovação

A abordagem arquitetônica de Simón Vélez não surgiu de um vácuo, mas foi forjada a partir de uma confluência única de herança familiar, influências contraculturais e uma profunda crítica à educação e prática arquitetônica convencionais. Suas inovações são o resultado de uma identidade complexa, que sintetiza o rigor do modernismo, os princípios do classicismo e um compromisso com o conhecimento vernacular.

1.1. Formação e Influências: Uma Rejeição da Academia

Nascido em Manizales, Colômbia, em 1949, Simón Vélez cresceu imerso no mundo da arquitetura, sendo filho e neto de arquitetos¹. Paradoxalmente, sua formação inicial esteve ligada ao cânone modernista; a casa de sua infância, projetada por seu pai, seguia o estilo da Bauhaus, uma influência direta dos professores alemães que lecionavam na universidade de seu pai⁵. No entanto, esta imersão precoce no modernismo não resultou numa adesão cega aos seus preceitos. Pelo contrário, Vélez desenvolveu uma postura crítica em relação à sua própria educação formal em uma universidade privada em Bogotá, que ele descreve como sendo de má qualidade e mais focada no negócio do que no ensino. Esta experiência, segundo ele, impulsionou-o a procurar um caminho "alternativo"⁵.

Esse caminho foi profundamente moldado por duas fontes distintas mas complementares. Por um lado, a "era hippie" e a descoberta do livro californiano Shelter, uma enciclopédia de métodos construtivos vernaculares e alternativos de todo o mundo, que o marcou profundamente e o direcionou para o uso de materiais naturais⁵. Por outro lado, sua admiração por figuras clássicas como Andrea Palladio e mestres do movimento Arts and Crafts como Greene & Greene revela uma preocupação subjacente com a proporção, a ordem geométrica e a excelência do ofício manual⁵. Esta síntese improvável — entre a racionalidade da Bauhaus, os princípios clássicos de Palladio e o ambientalismo contracultural de Shelter — constitui o núcleo de sua identidade arquitetônica. Seu trabalho não é um regresso ingênuo ao primitivo, mas uma reinterpretação sofisticada de princípios atemporais através da lente de um material local e subvalorizado.

1.2. A Redescoberta da Guadua: Do Estigma ao "Aço Vegetal"

O maior desafio inicial de Vélez não foi técnico, mas cultural. Ele cresceu numa região de florestas de bambu, onde a espécie local, a Guadua angustifolia, era vista pejorativamente como uma "erva daninha" e um material associado à pobreza⁵. Historicamente, o bambu era um material de construção tradicional na região de seus avós. Após um grande terremoto, a única casa que permaneceu de pé foi a mais pobre, construída em bambu, o que levou a uma adoção mais ampla do material. Contudo, um incêndio devastador no início do século XX, que se espalhou rapidamente pelas casas de bambu, levou ao seu abandono em favor do concreto importado, solidificando sua associação com a miséria e o perigo⁵.

Vélez herdou este estigma e, inicialmente, preferia trabalhar com madeira. Foi apenas quando um cliente o "forçou" a usar bambu para a construção de um estábulo para cavalos que ele foi obrigado a confrontar o material e suas limitações⁵. Foi nesse processo que ocorreu sua descoberta mais crucial. Ao experimentar, percebeu que, ao preencher as câmaras ocas do bambu com argamassa de cimento nos pontos de conexão, conseguia criar uma junta estruturalmente sólida⁵. Esta inovação foi o ponto de viragem. Para combater o estigma cultural, Vélez cunhou a expressão "acero vegetal" (aço vegetal), um termo que se revelou um golpe de mestre em termos de comunicação⁶. Esta designação recontextualizou o bambu, enquadrando-o não em termos de pobreza, mas de desempenho, modernidade e resistência, argumentando que sua relação peso-resistência é superior à do aço⁶. Esta re-significação foi uma condição prévia essencial para todo o seu sucesso posterior, permitindo-lhe atrair uma clientela de elite capaz de financiar as suas experiências e, por fim, legitimar o material para um público mais vasto.

1.3. "Arquitetura Vegetariana": Um Manifesto pelo Equilíbrio Material

A filosofia de Vélez cristaliza-se no conceito de "arquitetura vegetariana", uma metáfora que ele usa para criticar o excesso de materiais industriais na construção moderna⁶. Ele defende uma "dieta equilibrada" entre materiais "minerais", como o concreto e o aço, e materiais "vegetais", como o bambu e a madeira⁸. Sua posição não é a de um purista; ele valoriza o concreto e o aço pelas suas qualidades e utiliza-os de forma estratégica, mas critica sua sobreutilização, que, em sua opinião, levou a uma perda de escala humana e proporção na arquitetura⁵.

Para Vélez, a ausência de limites inerentes ao aço e ao concreto permite que os arquitetos projetem sem as restrições que naturalmente informam a proporção e a escala. Sua solução é uma abordagem híbrida e pragmática: a estrutura principal, o "esqueleto" do edifício, deve ser feita de materiais naturais e flexíveis como o bambu, enquanto a "pele" e os elementos de proteção, como as fundações e os revestimentos, podem ser de cimento ou tijolo para garantir durabilidade e resistência ao fogo⁵. Desta forma, as propriedades e dimensões naturais do bambu reimpõem uma escala e um ritmo mais humanos à arquitetura. A "arquitetura vegetariana" é, portanto, um apelo à honestidade material e à reafirmação das escalas humanas e naturais sobre o potencial abstrato e ilimitado da produção industrial.

Capítulo 2: A Técnica como Revolução - A Engenharia do "Aço Vegetal"

O gênio de Simón Vélez não reside na invenção de novos materiais, mas no desenvolvimento de sistemas de conexão inovadores que libertaram o potencial latente de um material antigo. Suas contribuições técnicas, embora aparentemente simples, representaram uma mudança de paradigma que tornou possível a construção de estruturas de bambu monumentais, seguras e duradouras.

2.1. A "Junta Vélez": O Ponto de Viragem Estrutural

A inovação técnica central de Vélez, que sustenta toda a sua obra de grande escala, é um método de conexão engenhoso que resolve o problema fundamental da construção com bambu: a fraqueza das suas juntas. Tradicionalmente, as conexões de bambu dependiam de amarrações ou de simples parafusos, que inevitavelmente esmagavam as fibras ocas do colmo sob tensão, um fenômeno conhecido como cisalhamento, levando à falha estrutural¹⁰.

A solução de Vélez foi preencher as câmaras ocas do bambu (os internós ou "cañutos") com argamassa de cimento ou concreto precisamente nos pontos onde as conexões seriam feitas⁵. Em seguida, vergalhões de aço roscados são passados através desta seção agora maciça e reforçada. Este método transforma o tubo oco num bloco sólido e incompressível no ponto de maior tensão, aumentando drasticamente a superfície de contato e impedindo que o parafuso esmague as fibras de bambu¹⁰. O resultado é uma junta cuja resistência deixa de ser limitada pela fragilidade do bambu e passa a ser limitada pela resistência do próprio aço do parafuso⁵. Esta técnica, por vezes referida como a "junta Vélez"¹⁰, foi o avanço que permitiu a Vélez projetar os vãos livres e os balanços dramáticos que caracterizam as suas obras mais famosas, elevando o bambu da categoria de material para estruturas temporárias ou de pequena escala para um componente viável para a arquitetura monumental e permanente.

2.2. Sistemas Híbridos Integrados: Ofício e Durabilidade

A abordagem de Vélez é fundamentalmente pragmática e holística. Ele compreende que o sucesso de um material natural como o bambu depende inteiramente do projeto do sistema construtivo como um todo. Seu trabalho é uma demonstração de "design para a durabilidade", onde cada detalhe é concebido para mitigar as vulnerabilidades intrínsecas do bambu, como sua suscetibilidade à umidade, à degradação por raios UV e aos insetos.

Uma de suas estratégias consistentes é a utilização de fundações ou pilares de concreto para elevar a estrutura de bambu do solo, protegendo-a eficazmente da umidade e de ataques de cupins¹². Adicionalmente, ele projeta coberturas com grandes beirais e balanços, uma lição aprendida com a arquitetura tropical asiática, que protegem a estrutura de bambu da exposição direta à chuva e ao sol⁸. Sua abordagem não é purista, combinando frequentemente o bambu Guadua com outros materiais locais, como a madeira de Aliso para colunas ou o bambu mais fino Chusque para compor lajes de piso¹³.

Este pragmatismo material é complementado por uma valorização do processo construtivo artesanal e intensivo em mão de obra. Vélez argumenta que, em países com mão de obra qualificada e acessível, investir em pessoas em vez de em tecnologia pesada não só é economicamente sensato, como também resulta numa qualidade de construção superior³. Sua arquitetura pode ser construída com ferramentas manuais, sem necessidade de eletricidade, o que reflete uma filosofia que valoriza a habilidade humana e a sustentabilidade econômica local⁵.

Capítulo 3: Obras Emblemáticas - A Materialização de uma Visão

Os projetos de Simón Vélez são a demonstração prática de sua filosofia e de suas inovações técnicas. Cada obra funciona como um estudo de caso que ilustra sua capacidade de transformar o "aço vegetal" em espaços de grande expressividade arquitetônica e rigor de engenharia. Três projetos, em particular, marcam pontos de viragem em sua carreira e na percepção global do bambu.

3.1. Estudo de Caso: O Pavilhão ZERI (Expo 2000, Hannover) - A Estreia Internacional

O Pavilhão ZERI, projetado para a Fundação ZERI (Zero Emissions Research and Initiative) na Expo 2000 em Hannover, Alemanha, foi o projeto que catapultou Simón Vélez para a cena internacional⁸. Sua importância transcende a arquitetura; foi um marco regulatório e de engenharia. Foi a primeira vez que uma estrutura de bambu recebeu uma licença de construção na Alemanha, um país com normas de construção extremamente rigorosas⁸. Para alcançar este feito, foi necessário construir um protótipo idêntico em escala real em Manizales, Colômbia (O Pavilhão ZERI em Manizales), onde foi submetido a testes de carga exaustivos por engenheiros alemães da Universidade de Bremen¹². Os resultados foram conclusivos, provando a viabilidade e segurança do sistema.

A estrutura em si era uma proeza de engenharia: um polígono de dez lados com 40 metros de diâmetro, utilizando cerca de 3.600 colmos de Guadua e pesando mais de 500 toneladas¹³. O projeto incorporou sete novas técnicas construtivas e dois novos materiais aprovados pelas autoridades alemãs, incluindo painéis de cobertura feitos de cimento reforçado com fibra de bambu¹³. O interior da estrutura revelava uma floresta de colunas e treliças que criavam um espaço monumental e acolhedor. O sucesso foi retumbante, com o pavilhão a atrair 6,4 milhões de visitantes⁸. Mais do que um edifício, o Pavilhão ZERI foi um "cavalo de Tróia" para a metodologia de Vélez. Ao submeter suas técnicas "primitivas" ao mais alto escrutínio científico e regulatório ocidental e ser bem-sucedido, ele obteve uma validação global irrefutável, silenciando céticos e elevando seu trabalho de "curiosidade vernacular" para "arquitetura séria".

Tabela 1: Especificações Técnicas Notáveis do Pavilhão ZERI

Parâmetro Especificação
Forma Polígono de dez lados em círculo de 40m de diâmetro
Área (Cobertura) 1.306 m²
Área (Mezanino) 458 m²
Altura Total 14,40 m
Peso Total 500 Toneladas
Peso (Guadua e outras madeiras) 100 Toneladas
Peso (Aço e Ferro) 10 Toneladas
Peso (Concreto) 75 Toneladas
Inclinação Cobertura 33,3% (17°)
Colunas 40 de Aliso, 40 de Guadua; Inclinação de 20% (79°)
Comprimento Balanço 7,00 m

Fonte: ZERI Foundation - ZERI Pavilion¹³

3.2. Estudo de Caso: O Museu Nômade (Cidade do México, 2008) - Efemeridade Monumental

O Museu Nômade foi uma estrutura temporária de escala monumental, com 5.000 m², construída na emblemática Praça do Zócalo, na Cidade do México, para abrigar a exposição "Ashes and Snow" do artista Gregory Colbert². O projeto demonstrou a versatilidade do bambu para criar arquitetura efêmera de grande impacto. A vista exterior do museu era marcada por longas paredes formadas por colmos de bambu, pontuadas pela presença de contentores de transporte de aço, que serviam de galerias¹⁶.

No entanto, a verdadeira poesia estrutural encontrava-se no espaço interior. Numa inversão deliberada da lógica estrutural convencional, as colunas principais de bambu não estavam ancoradas ao solo, mas sim suspensas a partir das grandes treliças da cobertura¹⁶. Este gesto contraintuitivo transformava o interior numa espécie de salão hipostilo invertido, um espaço etéreo e quase sem peso que evocava uma floresta suspensa, complementando perfeitamente a natureza da exposição artística que abrigava. O Museu Nômade revelou a mestria de Vélez em levar o material para além de suas aplicações esperadas, utilizando a engenharia para criar pura expressão arquitetônica e drama espacial.

3.3. Estudo de Caso: O Templo sem Religião (Cartagena, 2009) - Das Cinzas ao Ícone

A história deste projeto encapsula perfeitamente a evolução do trabalho de Vélez e a mudança na percepção pública do bambu. Sua gênese remonta a 2002, em Pereira, quando Vélez foi encarregado de construir uma catedral temporária de bambu para substituir a Catedral de Nossa Senhora da Pobreza, danificada por um terremoto². Essa estrutura temporária foi tão bem recebida e acarinhada pela comunidade que, anos mais tarde, uma versão permanente foi encomendada em Cartagena, batizada de "Templo sem Religião" (referido como a obra de 2009).

O templo em Cartagena é um espaço de grande beleza e espiritualidade, onde os arcos góticos são reinterpretados através das curvas naturais do bambu, criando uma atmosfera que inspira reverência¹⁹. O próprio Vélez descreve-o como um projeto que lhe agrada muito, construído com amigos numa quinta da qual era sócio, deliberadamente "sem religião"⁹. A trajetória deste edifício — de uma solução pragmática e temporária a um ícone cultural permanente e filosófico — demonstra que sua arquitetura é capaz de gerar um profundo sentimento de pertença comunitária. O nome sugere um espaço para uma espiritualidade universal, enraizada na natureza do próprio material e na beleza da estrutura, em vez de um dogma específico.

Uma das vertentes mais importantes, e talvez menos documentada, da carreira de Simón Vélez é sua ambição de aplicar suas inovações à habitação de interesse social. Embora seu impacto nesta área seja mais visível na advocacia e em protótipos do que em implementações em larga escala, sua filosofia aponta para um profundo compromisso com a democratização da arquitetura de qualidade.

4.1. Um Material Democrático: A Filosofia do Acesso

A crença central de Vélez é expressa em sua famosa frase: "O bambu não é um material para pobres ou ricos, é para os seres humanos"⁷. Esta afirmação resume sua luta para desmantelar as barreiras de classe associadas aos materiais de construção. Consciente do estigma do bambu, ele desenvolveu uma estratégia de longo prazo que pode ser descrita como um "ciclo de legitimação". Ele entendeu que, para tornar o bambu uma opção viável e desejável para os pobres, primeiro precisava de o tornar um material cobiçado pelos ricos.

Seguindo esta lógica, ele utilizou as comissões de clientes abastados e projetos de alto perfil, como o Pavilhão ZERI, para dois fins estratégicos. Primeiro, para subsidiar a investigação e o desenvolvimento de técnicas que poderiam ser simplificadas e aplicadas em projetos de baixo custo⁷. Segundo, para gerar o capital cultural e a validação técnica necessários para desafiar e atualizar os códigos de construção obsoletos que impediam o uso do bambu em projetos formais⁷. Esta estratégia revela um pensamento sistêmico: a legitimação cultural e regulatória do material no topo da pirâmide social era a condição necessária para a sua adoção democrática na base.

4.2. Estudo de Caso: O Protótipo "Grow Your Own House" (Calarcá)

A prova mais concreta das ambições sociais de Vélez é o protótipo de habitação que ele projetou em Calarcá, Colômbia, como parte do programa "Grow your own house" (Cultive a sua própria casa) da Fundação ZERI²¹. Este projeto serviu como um microcosmo de sua tese, demonstrando que sua filosofia de "arquitetura vegetariana" e suas técnicas híbridas podiam ser aplicadas para criar habitação digna, sustentável e extremamente econômica.

A casa, com 65 m² distribuídos por dois pisos e assente em fundações de concreto, era notavelmente eficiente em termos de materiais. Requeriam-se apenas 100 peças de bambu de cinco metros de comprimento, que, segundo o programa, poderiam ser colhidas de forma sustentável numa parcela de 500 m² ao longo de um ciclo de quatro a cinco anos²¹. O custo de construção em 2000 era excepcionalmente baixo, confirmando a viabilidade econômica do modelo²¹.

Apesar do sucesso deste protótipo, a informação sobre projetos de habitação social de Vélez em larga escala é escassa. Sua biografia menciona um "Protótipo de Habitação Social" em construção em 2014, mas os detalhes são limitados². Esta lacuna de informação é, em si mesma, uma conclusão importante. Enquanto o protótipo de Calarcá provou a viabilidade técnica e econômica do modelo, a ausência de uma replicação massiva sugere que as barreiras sistêmicas — o estigma cultural persistente, a inércia regulatória e a falta de modelos de financiamento adequados — permaneceram como obstáculos formidáveis. O maior impacto social de Vélez pode não ter sido a construção de milhares de casas, mas sim a transformação do discurso, provando o que era possível e abrindo caminho para que futuras gerações pudessem continuar seu trabalho.

Conclusão: O Legado do Mestre-Construtor

O legado de Simón Vélez assenta em três pilares fundamentais que redefiniram as possibilidades da arquitetura contemporânea. Primeiramente, como Inovador Técnico, ele revolucionou a construção em bambu com a invenção da junta reforçada com argamassa. Esta inovação, de uma simplicidade genial, resolveu o elo mais fraco da engenharia do bambu e transformou-o num material de alta performance, capaz de suportar estruturas monumentais e permanentes.

Em segundo lugar, como Crítico Filosófico, Vélez desafiou a hegemonia material e cultural do modernismo industrial. Com seu conceito de "arquitetura vegetariana", ele não propôs uma rejeição total da modernidade, mas um reequilíbrio, defendendo uma arquitetura mais humana, em harmonia com as limitações e virtudes dos materiais naturais e mais atenta à proporção e à escala.

Finalmente, como Defensor Social, ele lutou incansavelmente para posicionar o bambu como um material democrático para a construção de habitação digna. Embora a implementação em massa de seus protótipos sociais tenha sido limitada por barreiras sistêmicas, sua advocacia e seus projetos de prova de conceito alteraram fundamentalmente a percepção do bambu, legitimando-o como uma solução viável e desejável para o século XXI.

Em última análise, Simón Vélez personifica a figura do "mestre-construtor" moderno³ , um arquiteto que reintegra o projeto, o conhecimento profundo do material e o ofício artesanal numa era de crescente especialização e digitalização. Seu legado não está apenas nos edifícios que construiu, mas numa forma de trabalhar que reafirma a inteligência da natureza, a dignidade do trabalho manual e o potencial da arquitetura para ser, simultaneamente, bela, inovadora e profundamente humana.

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