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Antônio Ludovico Beraldo e Marco Antonio dos Reis Pereira: Legado na Pesquisa e Aplicação do Bambu no Brasil

I. Introdução: A Colaboração Seminal em "Bambu de Corpo e Alma"

A trajetória do bambu no Brasil, de planta ornamental a matéria-prima de relevância estratégica, foi profundamente influenciada pelo trabalho de inúmeros pesquisadores. No entanto, poucas contribuições foram tão catalisadoras quanto a publicação do livro "Bambu de Corpo e Alma" em 2007 [18]. De autoria dos professores Antônio Ludovico Beraldo, da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), e Marco Antonio dos Reis Pereira, da Universidade Estadual Paulista (UNESP), a obra representa um marco divisor de águas. Lançado pela Canal 6 Projetos Editoriais, o livro não foi apenas uma compilação de dados, mas um evento que preencheu uma lacuna crítica na literatura técnica em língua portuguesa, consolidando décadas de pesquisa e experiências práticas em um volume acessível, abrangente e academicamente rigoroso [18].

A estrutura do livro reflete uma visão holística e inovadora, dividida conceitualmente entre o "corpo" e a "alma" do bambu. O "corpo" é dedicado à dimensão física e científica da planta, oferecendo uma análise minuciosa de suas espécies, características botânicas, métodos de propagação, manejo, colheita, tratamento e, crucialmente, suas propriedades físico-mecânicas e múltiplas aplicações na engenharia e na indústria [18]. Por outro lado, a "alma", em um capítulo singular de autoria da terapeuta Betty Feffer, explora o uso do bambu em processos terapêuticos e pedagógicos, como a eutonia, conferindo à obra uma dimensão humanística e multidisciplinar que transcende a abordagem puramente técnica [18]. Essa dualidade conceitual espelha a convicção dos autores de que o bambu é mais do que um simples material: é um elemento cultural, ecológico e de bem-estar.

A publicação de Bambu de Corpo e Alma representa o ponto de convergência de duas carreiras distintas, porém complementares. Beraldo, da UNICAMP, e Pereira, da UNESP em Bauru, ambos engenheiros agrícolas, uniram suas paixões e conhecimentos acumulados em anos de pesquisa, atividades de extensão universitária e visitas a centros de referência internacionais na China, Colômbia e Costa Rica [18]. Ao consolidar informações antes dispersas e muitas vezes empíricas em uma fonte de referência chancelada por duas das mais importantes universidades do país, a obra exerceu uma função que transcendeu a mera disseminação de conhecimento. Ela conferiu uma legitimidade acadêmica sem precedentes ao bambu, elevando seu status de "material rústico" ou planta de jardim para um objeto de estudo científico e tecnológico sério. Com isso, Bambu de Corpo e Alma não apenas informou, mas também inspirou e capacitou uma nova geração de estudantes, pesquisadores, arquitetos e engenheiros, criando uma base de conhecimento comum que pavimentou o caminho para a aceitação mais ampla do material em normas técnicas e políticas públicas nos anos seguintes.

Índice

II. Prof. Dr. Antônio Ludovico Beraldo (1951-2021): Um Pioneiro em Materiais Alternativos e Biomassa

A carreira do professor Antônio Ludovico Beraldo foi marcada por uma notável trajetória multidisciplinar, que formou a base de sua abordagem inovadora e pioneira na ciência dos materiais no Brasil.

Formação e Trajetória

Sua jornada acadêmica começou com uma Licenciatura em Matemática pela Universidade de São Paulo (USP) em 1974, seguida por uma graduação em Engenharia Agrícola na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) em 1979, onde também concluiu seu mestrado em 1987 [7]. O ponto culminante de sua formação foi o doutorado em Sciences Du Bois (Ciência da Madeira) na Université de la Lorraine, na França, em 1994 [7]. Essa fusão de conhecimentos em matemática, engenharia agrícola e ciência dos materiais permitiu-lhe enxergar o potencial de recursos naturais e resíduos sob uma ótica única. Após se aposentar como Professor Titular da Faculdade de Engenharia Agrícola (FEAGRI) da UNICAMP em 2012, onde também atuou como Diretor Associado (2007-2011), ele continuou suas atividades como Professor Colaborador na Faculdade de Tecnologia (FT) da mesma universidade [7]. Seu falecimento, em 5 de dezembro de 2020, foi profundamente lamentado pela comunidade acadêmica [9].

Linhas de Pesquisa Centrais: Da Valorização de Resíduos ao "Biokreto"

O cerne da pesquisa de Beraldo foi a busca incessante por materiais de construção alternativos e sustentáveis, com um foco particular no aproveitamento de resíduos agroindustriais [7]. Seus primeiros experimentos datam de meados da década de 1980, quando começou a investigar o reforço de concreto com taliscas (lascas) de bambu, chegando a construir uma laje em sua própria residência com essa técnica em 1985 [8].

Sua experiência no doutorado na França foi decisiva para aprofundar a pesquisa com compósitos cimentícios. Ao retornar ao Brasil, ele aplicou e expandiu esse conhecimento, desenvolvendo uma linha de pesquisa que resultou na criação do "Biokreto" e do "CBVC" (Concreto de Baixo Custo com Vegetais). Esses materiais inovadores substituíam agregados convencionais, como a brita, por partículas de biomassa, incluindo casca de arroz, serragem e, notavelmente, partículas de bambu [2]. A inovação não se limitou ao laboratório; diversas instalações utilizando o "Biokreto" foram construídas na área da FEAGRI, servindo como prova de conceito e durabilidade [8]. Consciente do valor de suas criações, Beraldo protegeu sua propriedade intelectual, solicitando patentes para suas invenções e registrando as marcas "Biokreto" e "CBVC" [8]. Entre seus registros, destaca-se a patente PI 9905465-5, referente a um "Método de preparação de materiais lignocelulósicos para análise macroscópica" [15], e o licenciamento de tecnologias com previsão de royalties, evidenciando a aplicação comercial de sua pesquisa [16].

O trabalho de Beraldo pode ser visto como uma manifestação precoce e prática dos princípios da bio-economia e da economia circular no Brasil. Décadas antes de esses termos se popularizarem, ele já aplicava sua lógica fundamental: transformar o que era considerado resíduo em um recurso de alto valor. Ele não enxergava a casca de arroz ou as sobras de bambu como um problema ambiental, mas como uma solução de engenharia. O ciclo completo de desenvolvimento do "Biokreto" — da pesquisa científica fundamental (caracterização da biomassa) ao desenvolvimento tecnológico (criação do compósito), proteção intelectual (patentes) e aplicação prática (construções) — serve como um roteiro para a inovação baseada em recursos biológicos.

Expandindo as Fronteiras do Bambu: Da Construção à Alimentação

A visão de Beraldo sobre o potencial do bambu não se restringia à construção civil. Em uma colaboração notável com pesquisadores da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da UNICAMP, ele contribuiu para um projeto pioneiro que desenvolveu farinha a partir do colmo jovem de bambu [17]. A pesquisa, coordenada pela professora Maria Teresa Pedrosa Clerici, demonstrou que essa farinha, rica em fibras e com baixo teor de carboidratos, poderia ser utilizada com sucesso na produção de cookies e massas alimentícias. O produto final não apenas apresentava vantagens nutricionais, como a redução de gordura e açúcar, mas também mantinha características sensoriais (sabor e cor) aceitáveis, mostrando um enorme potencial para a indústria de alimentos e para o combate à desnutrição [17]. Essa incursão na segurança alimentar expandiu ainda mais sua visão da bio-economia, mostrando como um único recurso biológico poderia ser aproveitado em setores tão diversos. Sua vasta experiência foi consolidada em outras publicações importantes, como a organização do livro Utilização de resíduos agroindustriais na construção [10] e a coautoria de Tecnologias e materiais alternativos de construção, ambos publicados pela Editora da Unicamp [12].

Legado e Influência

Antônio Ludovico Beraldo foi uma figura central na articulação e no avanço da pesquisa com bambu no Brasil. Seu legado é multifacetado: ele orientou inúmeras dissertações de mestrado e teses de doutorado, como a de Leandro Shiroma sobre o uso de resíduos de porcelana em matrizes cimentícias [20], participou de diversas bancas examinadoras [21], e foi uma voz ativa e influente nos esforços que culminaram na elaboração da primeira norma técnica brasileira para estruturas de bambu [8]. Em suas entrevistas, transparecia sua paixão e seu desejo de ver o setor prosperar, incentivando a formação de associações e redes para disseminar o conhecimento e fortalecer a cadeia produtiva [8]. Seu trabalho não foi apenas sobre criar novos materiais, mas sobre construir as bases científicas e institucionais para uma nova economia baseada na sustentabilidade.

III. Prof. Dr. Marco Antonio dos Reis Pereira: Integrando Engenharia, Design e Aplicação Social

A trajetória do professor Marco Antonio dos Reis Pereira é um exemplo de como a especialização focada e a visão sistêmica podem transformar uma área de pesquisa em um ecossistema de inovação e impacto social. Também graduado em Engenharia Agrícola pela UNICAMP (1982), Pereira construiu sua carreira acadêmica na Universidade Estadual Paulista (UNESP), onde obteve mestrado (1992) e doutorado (1997) em Agronomia, com ênfase em Irrigação e Drenagem [22]. Um divisor de águas em sua carreira foi a especialização em bambu realizada em 2001 no prestigioso China National Bamboo Research Center (CBRC), em Hangzhou [22]. Essa imersão internacional proporcionou-lhe uma compreensão profunda e prática da cadeia produtiva do bambu, desde o manejo florestal até as aplicações industriais mais avançadas, uma visão que ele aplicaria com maestria em seus projetos no Brasil. Atualmente, é professor adjunto e livre-docente na disciplina de "Design e Construção com Bambu" na UNESP, campus de Bauru [22].

Formação e Contexto na UNESP-Bauru

  • Formação: Graduação em Engenharia Agrícola (UNICAMP, 1982), Mestrado e Doutorado em Agronomia (UNESP, 1992 e 1997) [22].
  • Especialização em Bambu: Realizada em 2001 no China National Bamboo Research Center (CBRC) [22].
  • Posição Atual: Professor adjunto e livre-docente na disciplina de "Design e Construção com Bambu" na UNESP, campus de Bauru [22].

O "Projeto Bambu" da UNESP-Bauru: Um Ecossistema de Inovação

Iniciado em 1990, o "Projeto Bambu" é a obra central da carreira de Pereira e um modelo de pesquisa aplicada no país [24]. Diferente de uma abordagem puramente laboratorial, o projeto foi concebido de forma sistêmica para abranger toda a cadeia produtiva do bambu. Suas atividades envolvem a introdução e o plantio de espécies prioritárias, como as de grande porte Dendrocalamus giganteus e Guadua angustifolia, o estudo de seu manejo e produção, a colheita e o desenvolvimento de técnicas de tratamento dos colmos [26]. O projeto conta com uma infraestrutura robusta, que inclui uma área agrícola de 1,5 hectares para o cultivo experimental e um Laboratório de Experimentação com Bambu, equipado com ferramentas e maquinários para o processamento do material e o desenvolvimento de produtos [26]. Essa estrutura permite um ciclo completo, do campo ao protótipo, dentro da própria universidade.

Principais Contribuições: Do BLC ao Design de Produtos e Patentes

Dentro do "Projeto Bambu", uma das linhas de pesquisa mais relevantes lideradas por Pereira é o desenvolvimento de produtos à base de Bambu Laminado Colado (BLC), conhecido internacionalmente como Laminated Bamboo Lumber (LBL) [22]. Essa tecnologia transforma os colmos de bambu, que são ocos e de diâmetro variável, em um material de engenharia padronizado, com dimensões e propriedades mecânicas controladas, similar à madeira laminada [25]. O BLC abre um leque de possibilidades para o uso do bambu em mobiliário de alto padrão, componentes construtivos e estruturas leves, superando muitas das limitações do colmo em sua forma natural.

O trabalho de Pereira também se destaca no campo da inovação e propriedade intelectual. Ele é um dos inventores da "Protebam", uma prótese transtibial (abaixo do joelho) de baixo custo, desenvolvida a partir de um compósito de bambu e resina de mamona [29]. A tecnologia, protegida pela patente BR 10 2016 010161 1, é um exemplo notável de design social, oferecendo uma solução sustentável, resistente, leve e economicamente acessível. Outra inovação patenteada é um "Painel modular para fechamento de ambientes com estrutura à base de bambu" (BR1020160212588), que visa facilitar a construção de divisórias e vedações de forma rápida e sustentável [22].

Impacto no Design e em Projetos Comunitários

A localização do "Projeto Bambu" na Faculdade de Engenharia de Bauru, que possui forte interação com os cursos de Design e Arquitetura da UNESP, foi estratégica. Pereira capitalizou essa proximidade, estabelecendo uma relação simbiótica entre as áreas. Ele ministra a disciplina "Design e Construção com Bambu" na pós-graduação e orienta alunos de graduação e pós-graduação no desenvolvimento de novos produtos, unindo a técnica da engenharia com a criatividade do design [22].

Esse viés extensionista e multidisciplinar se materializou no "Projeto de Extensão Taquara", criado em 2009 sob sua coordenação [25]. O projeto envolve alunos de diversos cursos — design, arquitetura, artes, relações públicas e engenharias — na capacitação e disseminação do conhecimento sobre a cadeia produtiva do bambu. O grupo atua no desenvolvimento de artesanato, mobiliário e produtos em BLC, além de participar ativamente em projetos sociais [25].

O impacto social é, talvez, a faceta mais notável do trabalho de Pereira. Ele aplicou o conhecimento gerado na universidade diretamente em comunidades rurais, com destaque para a parceria de longa data com os agricultores do Assentamento Rural Horto Aimorés, na região de Bauru [3]. O projeto capacita as famílias no plantio, manejo, processamento e confecção de produtos de bambu, criando uma fonte alternativa de renda, promovendo a fixação do homem no campo e fomentando o desenvolvimento local sustentável [3].

O modelo de atuação de Marco Antonio dos Reis Pereira na UNESP-Bauru serve como um verdadeiro blueprint para a transferência de tecnologia e a promoção de impacto social a partir da universidade. Ele demonstra como superar o "vale da morte" da inovação, onde muitas pesquisas acadêmicas não conseguem chegar à sociedade. Pereira construiu pontes eficazes sobre esse vale: o "Projeto Bambu" gera o conhecimento científico e a matéria-prima; a interação com os cursos de Design e Arquitetura transforma esse conhecimento em produtos e protótipos inovadores; e os projetos de extensão, como o "Taquara" e a parceria com o Horto Aimorés, transferem essa tecnologia diretamente para a ponta, gerando um impacto socioeconômico real. É um exemplo prático e replicável de como a "terceira missão" da universidade — o impacto na sociedade — pode ser cumprida de forma integrada e virtuosa.

IV. Sinergias e Divergências: Uma Análise Comparativa

A colaboração entre Antônio Ludovico Beraldo e Marco Antonio dos Reis Pereira, embora culminada no livro Bambu de Corpo e Alma, foi fruto de duas abordagens de pesquisa distintas, porém notavelmente complementares. A análise de suas trajetórias revela como seus focos específicos criaram uma sinergia poderosa, capaz de abranger o tema do bambu desde sua estrutura molecular até seu impacto social.

A abordagem de Beraldo pode ser caracterizada como a do "cientista do material", com um foco predominantemente "micro". Sua expertise residia em desconstruir a biomassa, entender suas propriedades físico-químicas e, a partir daí, recombiná-la para criar novos materiais com propriedades controladas e superiores, como os compósitos cimentícios [7]. Seu trabalho era fundamentalmente sobre a transformação da matéria-prima em um novo insumo de engenharia.

Em contrapartida, a abordagem de Pereira era a do "engenheiro de sistemas", com um foco "macro". Seu trabalho consistia em construir e gerenciar a cadeia de valor completa, desde a escolha da espécie e seu cultivo agronômico até o design do produto final e sua inserção em um contexto social e de mercado [22]. Sua expertise abrangia a agronomia, a engenharia de produção, o design e, de forma crucial, a extensão universitária como ferramenta de transferência de tecnologia.

O livro Bambu de Corpo e Alma é a manifestação perfeita dessa complementaridade. Beraldo forneceu a profundidade científica sobre as propriedades intrínsecas do material — o "corpo" —, detalhando sua composição e comportamento mecânico. Pereira, por sua vez, forneceu a visão abrangente sobre como cultivar, processar e aplicar esse material em sistemas e produtos — a aplicação prática e sistêmica do "corpo". Juntos, eles ofereceram ao leitor brasileiro uma visão 360 graus do bambu, algo inédito até então.

A tabela a seguir sintetiza os perfis de pesquisa dos dois professores, destacando suas especialidades e contribuições para facilitar a compreensão de suas sinergias e focos distintos.

Tabela 1: Perfis de Pesquisa e Contribuições de Beraldo e Pereira

Característica Prof. Dr. Antônio Ludovico Beraldo Prof. Dr. Marco Antonio dos Reis Pereira
Universidade Principal UNICAMP (Faculdade de Engenharia Agrícola) [7] UNESP - Bauru (Faculdade de Engenharia) [22]
Formação Chave Doutorado em Ciência da Madeira (França) [7] Especialização em Bambu (China) [22]
Foco de Pesquisa Primário Compósitos cimentícios com biomassa; Materiais alternativos; Caracterização físico-química. [7] Cadeia produtiva completa; Bambu Laminado Colado (BLC); Design de produtos; Aplicações estruturais. [22]
Projeto Emblemático Desenvolvimento do "Biokreto" e compósitos com resíduos agroindustriais. [2] "Projeto Bambu" e "Projeto de Extensão Taquara" na UNESP-Bauru. [24, 25]
Inovação/Patente Notável Compósito cimentício com partículas vegetais ("Biokreto") [8]; Patente PI 9905465-5 [15]. Prótese transtibial de bambu ("Protebam") [29]; Painel modular de bambu [22].
Principal Contribuição de Impacto Pioneirismo na valorização de resíduos da biomassa para a construção civil, alinhado à economia circular. Criação de um ecossistema completo (pesquisa-ensino-extensão-inovação) para o desenvolvimento do bambu com impacto social direto.

Fontes: Variadas, conforme Bibliografia Compilada.

V. O Impacto Ampliado: Moldando Políticas, Normas e o Futuro do Bambu no Brasil

O trabalho de Beraldo e Pereira transcendeu os muros da universidade, influenciando diretamente o ambiente regulatório e normativo do bambu no Brasil. Ao fornecerem uma base científica sólida e demonstrarem o vasto potencial econômico, social e ambiental do material, eles ajudaram a criar o alicerce técnico e a justificativa política para dois avanços cruciais: a "Lei do Bambu" e a norma técnica da ABNT para estruturas de bambu.

O Caminho para a Regulamentação: A "Lei do Bambu" (Lei nº 12.484/2011)

A sanção da Lei nº 12.484 em 8 de setembro de 2011 foi um marco para o setor, instituindo a Política Nacional de Incentivo ao Manejo Sustentado e ao Cultivo do Bambu (PNMCB) [30]. A lei visa fomentar toda a cadeia produtiva por meio de instrumentos como crédito rural, assistência técnica, pesquisa e certificação [31]. Embora não haja evidências diretas da participação dos professores na redação do texto, seu trabalho de décadas foi fundamental para criar o ambiente propício para que tal política fosse concebida e levada a sério no Congresso Nacional.

A lei originou-se do Projeto de Lei (PL) 1180/2007 [32]. Durante sua tramitação na Câmara dos Deputados, o projeto foi analisado pela Comissão de Agricultura, onde o relator, deputado Dilceu Sperafico, apresentou um substitutivo. Notavelmente, o novo texto incorporou o termo "manejo sustentável", uma alteração que, segundo relatos da época, refletiu sugestões de especialistas e do Ministério do Meio Ambiente, demonstrando que o debate técnico-científico, liderado por pesquisadores como Beraldo e Pereira, estava permeando a esfera política [32]. Após aprovação conclusiva nas comissões, o projeto seguiu para o Senado e, posteriormente, para a sanção presidencial, estabelecendo um marco legal para o desenvolvimento do bambu no país [31].

Padronização e Avanço Técnico: A Norma ABNT NBR 16828

Por muitos anos, um dos maiores entraves para o uso do bambu na construção civil formal foi a ausência de normas técnicas. Sem uma norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), engenheiros e arquitetos não tinham a segurança jurídica e a base de cálculo necessárias para projetar estruturas de bambu, limitando seu uso a construções informais ou experimentais.

A comunidade científica, da qual Beraldo e Pereira eram líderes proeminentes, foi a força motriz por trás da mudança desse cenário. Em entrevistas, Beraldo já manifestava seu interesse e engajamento na elaboração de uma norma específica para estruturas de bambu, reconhecendo sua importância estratégica [8]. O amadurecimento da pesquisa nacional, com a caracterização de espécies, desenvolvimento de métodos de ensaio e a validação de sistemas construtivos, forneceu o corpo de conhecimento necessário para a normalização.

Publicada em 2020, a ABNT NBR 16828 - Estruturas de Bambu, representa a materialização desses esforços. A norma é dividida em partes, sendo as principais a Parte 1: Projeto [33] e a Parte 2: Determinação das propriedades físicas e mecânicas [35]. A Parte 1 é particularmente revolucionária, pois estabelece os critérios de segurança e os métodos de cálculo para o dimensionamento de elementos estruturais de bambu. Ela define desde os conceitos fundamentais, como estados limites (ELU e ELS) e combinações de ações, até as formulações específicas para o dimensionamento de vigas, pilares e, crucialmente, das ligações, que são os pontos mais críticos em estruturas de bambu [33]. Ao fornecer essa base técnica e regulatória, a norma abriu definitivamente as portas para que o bambu seja especificado e utilizado em projetos de engenharia e arquitetura em todo o território nacional, com segurança e responsabilidade técnica.

A tabela a seguir apresenta uma linha do tempo com os marcos históricos que ilustram a evolução do setor de bambu no Brasil, correlacionando as contribuições de Beraldo e Pereira com os avanços institucionais e regulatórios.

Tabela 2: Marcos Históricos e Contribuições no Setor de Bambu no Brasil

Ano Evento Chave Contribuição / Significado Fontes
1990 Início do "Projeto Bambu" por Marco Pereira na UNESP Estabelecimento de um polo de pesquisa focado em toda a cadeia produtiva. [24]
1994 Doutorado de Antônio Beraldo na França Início das pesquisas que levariam ao desenvolvimento de compósitos como o "Biokreto". [7]
2007 Publicação de Bambu de Corpo e Alma Consolidação e legitimação do conhecimento sobre bambu no Brasil, criando uma referência nacional. [18]
2007 Apresentação do Projeto de Lei 1180/2007 Início do processo legislativo para criar uma política nacional para o bambu. [32]
2011 Sanção da Lei nº 12.484 ("Lei do Bambu") Criação de um marco legal e de incentivos para o desenvolvimento da cadeia do bambu. [30], [31]
2016 Depósito de patentes por Pereira (Prótese, Painel) Demonstração da maturidade da pesquisa, gerando produtos de alto valor agregado e impacto social. [22], [29]
2020 Publicação da Norma ABNT NBR 16828 Padronização técnica para o uso do bambu em estruturas, abrindo portas para a construção civil formal. [33]
2020 Falecimento do Prof. Beraldo Fim de uma era de pioneirismo, deixando um legado consolidado na ciência de materiais. [9]

Fontes: Variadas, conforme Bibliografia Compilada.

VI. Conclusão: O Legado Duradouro de Beraldo e Pereira

A análise aprofundada das carreiras dos professores Antônio Ludovico Beraldo e Marco Antonio dos Reis Pereira revela contribuições que, de forma distinta e sinérgica, foram fundamentais para a construção do campo de pesquisa e aplicação do bambu no Brasil. Seu legado não se resume a uma lista de publicações, mas se manifesta na própria estrutura de conhecimento, inovação e regulamentação que hoje sustenta o setor.

Beraldo, o cientista de materiais da UNICAMP, foi o pioneiro que desvendou o potencial do bambu e de outras biomassas em nível micro. Com sua formação multidisciplinar, ele transformou resíduos agrícolas em materiais de engenharia inovadores, como o "Biokreto", personificando os princípios da economia circular e da bio-economia muito antes de se tornarem conceitos difundidos. Sua abordagem rigorosa na caracterização físico-química dos materiais forneceu a base científica necessária para que o bambu fosse compreendido não como uma simples planta, mas como um compósito natural de alta performance.

Pereira, o engenheiro de sistemas da UNESP, construiu um modelo exemplar de como a pesquisa universitária pode gerar impacto real e abrangente. Seu "Projeto Bambu" [24] não é apenas um laboratório, mas um ecossistema completo que integra o cultivo, o processamento, o design de produtos e, de forma crucial, a transferência de tecnologia para a sociedade. Ao conectar a pesquisa de ponta, como o desenvolvimento do Bambu Laminado Colado e de patentes de alto impacto social, com a capacitação de comunidades rurais [3], ele demonstrou um caminho prático e eficaz para a universidade cumprir sua missão de motor do desenvolvimento regional sustentável.

Juntos, por meio da colaboração seminal em Bambu de Corpo e Alma [18] e de décadas de trabalho incansável em suas respectivas instituições, Beraldo e Pereira foram os principais arquitetos da transformação do bambu no Brasil. Eles elevaram o material de uma posição marginal, associada à rusticidade, para o centro do debate sobre sustentabilidade, novos materiais, design e inovação tecnológica. O legado de Beraldo e Pereira, portanto, não está apenas nos artigos, livros e patentes que produziram. Reside, sobretudo, na infraestrutura de conhecimento que eles ajudaram a construir: nos grupos de pesquisa que se consolidaram, nos profissionais que formaram, na política nacional que seu trabalho ajudou a justificar e na norma técnica que finalmente conferiu ao bambu a cidadania plena no universo da construção civil brasileira. Eles não apenas pesquisaram o bambu; eles edificaram as fundações do moderno ecossistema brasileiro do bambu.

VII. Bibliografia Compilada

  1. BERALDO, A. L. et al. Brotos de Bambu. 2022.
  2. BERALDO, A. L. Bambu: matéria-prima para o Século XXI. 2018. Apresentação em: ENCONTRO DE SUSTENTABILIDADE EM PROJETO (ENSUS), 6., 2018, Florianópolis. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/185974. Acesso em: 19 jun. 2025.
  3. BERALDO, A. L. Entrevista. Mix Sustentável, Florianópolis, [s.d.]. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/246404. Acesso em: 19 jun. 2025.
  4. BERALDO, A. L. et al. Bambu: Características e Aplicações na Construção Civil e em Arquitetura. Sorocaba, 2017.
  5. BERALDO, A. L. (Org.). Utilização de resíduos agroindustriais na construção. Campinas: Editora da UNICAMP, 2020. Disponível em: https://www.amazon.com.br/Utiliza%C3%A7%C3%A3o-res%C3%ADduos-agroindustriais-na-constru%C3%A7%C3%A3o-ebook/dp/B0BBWNRKVH. Acesso em: 19 jun. 2025.
  6. BERALDO, A. L. et al. Caracterização da fração fibrosa de colmos jovens de bambu para alimentação. Floresta, Curitiba, v. 44, n. 1, p. 11-20, jan./mar. 2014. DOI: 10.5380/rf.v44i1.30220. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/floresta/article/view/30220. Acesso em: 19 jun. 2025.
  7. BERALDO, A. L. et al. Bambu: Características e Aplicações na Construção Civil e em Arquitetura. Sorocaba, 2017. (Dados biográficos e de formação de A. L. Beraldo).
  8. BERALDO, A. L. et al. Bambu: Características e Aplicações na Construção Civil e em Arquitetura. Sorocaba, 2017. (Pesquisas e instalações com Biokreto).
  9. BERALDO, A. L. et al. Bambu: Características e Aplicações na Construção Civil e em Arquitetura. Sorocaba, 2017. (Falecimento de A. L. Beraldo).
  10. BERALDO, A. L. (Org.). Utilização de resíduos agroindustriais na construção. Campinas: Editora da UNICAMP, 2020. Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1161929. Acesso em: 19 jun. 2025.
  11. BERALDO, A. L.; AZZINI, A.; GHAVAMI, K.; PEREIRA, M. A. R. Bambu: características e aplicações. Guaíba: Agropecuária, 2004.
  12. FREIRE, W. J.; BERALDO, A. L. Tecnologias e materiais alternativos de construção. Campinas: Editora da UNICAMP, 2003.
  13. NERI, A. C. Parâmetros de corte na usinagem de madeiras de reflorestamento. 2003. Tese (Doutorado em Engenharia Agrícola) – Faculdade de Engenharia Agrícola, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003. Participação como avaliador de banca (Beraldo). Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/333227. Acesso em: 19 jun. 2025.
  14. PEREIRA, M. A. R.; BERALDO, A. L.; KHOSROW, G. Conhecendo o material bambu. 2009. Palestra em: Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 9 dez. 2009. (Palestra de Beraldo).
  15. BERALDO, A. L. Método de preparação de materiais lignocelulósicos para análise macroscópica. PI 9905465-5. 2017. (Patente de Beraldo).
  16. BERALDO, A. L. (Inventor); UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS (Depositante). Compósito cimentício com partículas vegetais. Patente de invenção com licenciamento e registro das marcas "Biokreto" e "CBVC". (Patente de Beraldo, licenciamento).
  17. BERALDO, A. L. et al. Caracterização da fração fibrosa de colmos jovens de bambu para alimentação. Floresta, Curitiba, v. 44, n. 1, p. 11-20, jan./mar. 2014. DOI: 10.5380/rf.v44i1.30220. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/floresta/article/view/30220. Acesso em: 19 jun. 2025. (Farinha de bambu para alimentação).
  18. PEREIRA, M. A. R.; BERALDO, A. L. Bambu de corpo e alma. Bauru: Canal 6 Projetos Editoriais, 2007. (Livro "Bambu de Corpo e Alma", 1ª Ed.). Disponível em: https://www.canal6.com.br/amostras/iniciais_bambu.pdf. Acesso em: 19 jun. 2025.
  19. PEREIRA, M. A. R.; BERALDO, A. L. Bambu de corpo e alma. 2. ed. rev. e ampl. Bauru: Canal 6 Editora, 2016. (Livro "Bambu de Corpo e Alma", 2ª Ed.).
  20. SHIROMA, L. Atividade pozolânica de resíduos de isoladores de porcelana em matrizes cimentícias. 2016. 139 f. Tese (Doutorado em Engenharia Agrícola) – Faculdade de Engenharia Agrícola, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2016. Orientador: Antônio Ludovico Beraldo. Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/972724. Acesso em: 19 jun. 2025. (Tese de Shiroma orientada por Beraldo).
  21. BERALDO, A. L. Entrevista. Mix Sustentável, Florianópolis, [s.d.]. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/246404. Acesso em: 19 jun. 2025. (Banca examinadora de Beraldo).
  22. PEREIRA, M. A. R. Projeto bambu: introdução de espécies, manejo, caracterização e aplicações. 2012. 200 f. Tese (Livre-Docência em Design e Construção com Bambu) – Faculdade de Engenharia, Universidade Estadual Paulista, Bauru, 2012. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/106710. Acesso em: 19 jun. 2025. (Dados biográficos e de formação de M. A. R. Pereira, Projeto Bambu, BLC, Patentes).
  23. BERALDO, A. L.; AZZINI, A.; GHAVAMI, K.; PEREIRA, M. A. R. Bambu: características e aplicações. Guaíba: Agropecuária, 2004. (Livro "Bambu: características e aplicações").
  24. PEREIRA, M. A. R. Projeto bambu: introdução de espécies, manejo, caracterização e aplicações. 2012. 200 f. Tese (Livre-Docência em Design e Construção com Bambu) – Faculdade de Engenharia, Universidade Estadual Paulista, Bauru, 2012. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/106710. Acesso em: 19 jun. 2025. (Início do Projeto Bambu).
  25. PEREIRA, M. A. R. Projeto bambu: introdução de espécies, manejo, caracterização e aplicações. 2012. 200 f. Tese (Livre-Docência em Design e Construção com Bambu) – Faculdade de Engenharia, Universidade Estadual Paulista, Bauru, 2012. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/106710. Acesso em: 19 jun. 2025. (Projeto de Extensão Taquara).
  26. PEREIRA, M. A. R. Projeto bambu: introdução de espécies, manejo, caracterização e aplicações. 2012. 200 f. Tese (Livre-Docência em Design e Construção com Bambu) – Faculdade de Engenharia, Universidade Estadual Paulista, Bauru, 2012. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/106710. Acesso em: 19 jun. 2025. (Atividades e infraestrutura do Projeto Bambu).
  27. PEREIRA, M. A. R.; BERALDO, A. L. Bambu de corpo e alma. Bauru: Canal 6 Projetos Editoriais, 2007. (BLC no Projeto Bambu).
  28. PEREIRA, M. A. R.; BERALDO, A. L. Bambu de corpo e alma. Bauru: Canal 6 Projetos Editoriais, 2007. (Patente de Painel Modular).
  29. PEREIRA, M. A. R. et al. Prótese transtibial de bambu ("Protebam"). BR 10 2016 010161 1. Depositante: Universidade Estadual Paulista (UNESP). Data de depósito: 05 mai. 2016. Disponível em: https://auin.unesp.br/tecnologias/21/protese-de-bambu. Acesso em: 19 jun. 2025. (Patente da Protebam).
  30. BRASIL. Lei nº 12.484, de 8 de setembro de 2011. Institui a Política Nacional de Incentivo ao Manejo Sustentado e ao Cultivo do Bambu e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 set. 2011. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12484.htm. Acesso em: 19 jun. 2025. (Lei nº 12.484/2011).
  31. GOVERNO FEDERAL aprova política nacional do bambu para erradicar pobreza. Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, 13 set. 2011. Disponível em: https://www.gov.br/mma/pt-br/noticias/governo-federal-aprova-politica-nacional-do-bambu-para-erradicar-pobreza. Acesso em: 19 jun. 2025. (PNMCB).
  32. MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO (Brasil). Projeto de Lei do Bambu (PL 1180/2007). [S. l.], [2007]. (Mencionada no texto como origem da lei).
  33. INFRAESTRUTURA. Publicadas normas de projeto e de determinação de propriedades de estruturas de bambu. [S. l.], [2020?]. Disponível em: https://www.infraestrutura.gov.br/noticias/2639-publicadas-normas-de-projeto-e-de-determinacao-de-propriedades-de-estruturas-de-bambu. Acesso em: 17 jun. 2025. (ABNT NBR 16828).
  34. SHIROMA, L. Atividade pozolânica de resíduos de isoladores de porcelana em matrizes cimentícias. 2016. 139 f. Tese (Doutorado em Engenharia Agrícola) – Faculdade de Engenharia Agrícola, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2016. Orientador: Antônio Ludovico Beraldo. Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/972724. Acesso em: 19 jun. 2025. (Tese de Shiroma).
  35. ABRAFRAS. Abrafibras e Sistema OCB promovem diálogo para desenvolver a cadeia produtiva do bambu no Brasil. [S. l.], [2021]. (Relação entre Beraldo e associações).
  36. PEREIRA, M. A. R.; BERALDO, A. L. Bambu de corpo e alma. Bauru: Canal 6 Projetos Editoriais, 2007. (Relação entre Beraldo e associações).