O Bambu no Sudoeste da Amazônia: Ameaça Ecológica e Promessa Econômica nas Florestas do Acre
Introdução: Esclarecendo a Questão
A análise sobre o papel do bambu no estado do Acre revela uma complexa dualidade. A investigação que avalia o bambu como uma ameaça ecológica aponta para a proeminente pesquisa liderada pela Professora Doutora Sonaira Souza da Silva, da Universidade Federal do Acre (UFAC). Sua trajetória acadêmica e publicações a consolidam como uma das principais especialistas no estudo da dinâmica de incêndios florestais e da degradação de florestas por bambu na Amazônia Sul-Ocidental. Embora a consulta inicial mencionasse publicações na prestigiada revista
Nature, os trabalhos seminais da professora sobre este tema foram publicados em outros periódicos de alto impacto e revisados por pares, como Forest Ecology and Management e Regional Environmental Change, que fornecem a base empírica para esta análise.
Este relatório aborda o paradoxo central do bambu no Acre. Por um lado, o estado abriga a maior mancha contínua de bambu nativo do mundo, um recurso aclamado por agências estatais como a Fundação de Tecnologia do Estado do Acre (Funtac) e órgãos federais como a Embrapa como a pedra angular para uma nova bioeconomia, com um potencial econômico estimado na casa dos bilhões de reais. Por outro lado, o rigoroso trabalho científico conduzido pela Profa. Silva demonstra que este mesmo bambu, sob condições específicas de perturbação — principalmente o fogo —, atua como uma espécie oportunista e agressiva que degrada a floresta, suprime a regeneração de outras espécies e reduz a biodiversidade.
A tese central deste relatório é que a "ameaça" ecológica e a "promessa" econômica do bambu do Acre não são conceitos mutuamente exclusivos, mas sim duas facetas do mesmo complexo sistema socioecológico. A chave para navegar neste paradoxo reside na compreensão de que as mesmas perturbações frequentemente associadas ao desenvolvimento econômico — como o desmatamento, a abertura de clareiras e o aumento de fontes de ignição — são os principais catalisadores dos resultados ecológicos negativos. Portanto, qualquer política ou estratégia econômica que falhe em integrar este ciclo de retroalimentação ecológica está, por definição, fadada a ser insustentável.
I. A Ecologia das Florestas Dominadas por Bambu no Sudoeste da Amazônia: Uma Linha de Base
Contexto Geográfico e Botânico
As florestas dominadas por bambu constituem uma paisagem singular e vasta, cobrindo uma área estimada entre 165.000 e 180.000 km² na bacia do Sudoeste Amazônico, uma região transfronteiriça que abrange partes do Brasil, Peru e Bolívia. No estado do Acre, essas formações florestais são particularmente proeminentes, com estimativas indicando sua presença em cerca de 62% das tipologias florestais do estado. As espécies de bambu lenhoso nativo que dominam essa paisagem pertencem ao gênero
Guadua, com destaque para Guadua weberbaueri, Guadua sarcocarpa e Guadua aff. lynnclarkiae, conhecidas popularmente como taboca.
O Ciclo de Vida Natural e Suas Implicações
Uma característica ecológica fundamental das espécies de Guadua na região é seu ciclo de vida. Elas são plantas semélparas, o que significa que florescem e frutificam apenas uma vez durante sua vida, em eventos de floração gregária (sincronizada) que culminam na morte em massa de vastas populações. Este ciclo ocorre em intervalos de aproximadamente 28 anos, e a mortalidade em massa deposita uma enorme quantidade de necromassa (biomassa morta e seca) no chão da floresta, um fator determinante para o risco de incêndios. Após a morte dos indivíduos adultos, uma nova geração regenera-se a partir de sementes, um processo que, por si só, enfrenta altas taxas de mortalidade devido à predação e à competição por recursos.
Este ciclo natural de morte em massa é um regime de perturbação fundamental e de grande escala que molda o ecossistema há milênios, muito antes da influência humana significativa. Ele cria um "pulso" de combustível que é inerente ao sistema. Em um contexto pré-antropogênico, as fontes naturais de ignição, como raios, seriam raras nesta região úmida. O pulso de combustível, portanto, seria em grande parte decomposto ao longo do tempo. A chegada de populações humanas e seu uso do fogo para agricultura e limpeza de terras introduziu uma fonte de ignição nova e frequente em um sistema que é ciclicamente preparado com altas cargas de combustível. A interação entre o ciclo de vida natural do bambu e o fogo antropogênico é, portanto, o ponto crítico da análise, e não apenas a presença isolada de bambu ou fogo. O estado natural do ecossistema é de alta inflamabilidade periódica, mas baixa probabilidade de ignição; a atividade humana inverteu essa dinâmica ao aumentar drasticamente a probabilidade de ignição.
Estrutura Florestal de Base
As florestas com presença natural de bambu são estruturalmente distintas daquelas sem ele. Elas são classificadas como "floresta ombrófila aberta", caracterizadas por um dossel mais aberto, menor densidade de árvores e uma área basal e biomassa arbórea total reduzidas em comparação com as florestas densas. Esta estrutura pré-existente, mais aberta e seca, é uma condição prévia crucial para entender a vulnerabilidade dessas florestas ao fogo.
II. O Ciclo de Retroalimentação Fogo-Bambu: A Pesquisa da Profa. Sonaira Silva sobre a Degradação Florestal
A Hipótese Central
A pesquisa da Profa. Sonaira Souza da Silva e seus colaboradores é central para a compreensão do bambu como uma ameaça ecológica. A tese fundamental de seu trabalho é que os incêndios de origem antropogênica, especialmente quando exacerbados por eventos de seca extrema, são o principal motor da expansão do bambu. Esse processo leva a uma mudança fundamental e potencialmente irreversível na estrutura e composição da floresta, transformando-a em um ecossistema degradado.
Metodologia: Combinando Dados de Campo e Sensoriamento Remoto
A robustez da pesquisa da Profa. Silva reside em sua metodologia de dupla abordagem. Ela combina dados intensivos de inventário florestal de campo — medindo árvores, diâmetros e colmos de bambu em parcelas de estudo — com análises de sensoriamento remoto em larga escala. Utilizando imagens de satélite Landsat e índices como a refletância do infravermelho próximo (NIR), sua equipe mapeia cicatrizes de incêndios e identifica a expansão do bambu ao longo de décadas. Essa abordagem permite validar padrões espaciais amplos com medições concretas e verificáveis no terreno.
Evidências Quantitativas da Degradação
Os estudos fornecem dados quantitativos contundentes sobre o impacto dos incêndios, que são sintetizados na Tabela 1. A análise comparativa entre áreas não queimadas e áreas afetadas pelo fogo revela uma transformação drástica na estrutura da floresta.
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Mortalidade de Árvores: O número de árvores vivas por hectare diminui em 50% se uma floresta queima uma vez e em impressionantes 74% se queima duas vezes (durante as secas extremas de 2005 e 2010).
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Proliferação do Bambu: A mortalidade de árvores é inversamente proporcional à expansão do bambu. O número de colmos de bambu aumenta de 7 a 9 vezes em áreas queimadas em comparação com parcelas de controle não queimadas. Em entrevistas, a Profa. Silva contrasta a densidade de aproximadamente 600 colmos por hectare em florestas preservadas com cerca de 5.000 colmos por hectare em zonas queimadas.
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Danos Físicos: A massa crescente de bambu causa danos físicos diretos às árvores remanescentes. A incidência de quebra e danos em árvores pode dobrar ou triplicar após um evento de incêndio.
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Transformação em Larga Escala: Este processo não é um fenômeno localizado. A pesquisa quantifica que os incêndios resultaram na conversão de 120.000 hectares de "floresta aberta com presença de bambu" para "floresta dominada por bambu", um tipo de ecossistema distinto e mais degradado.
O Papel das Secas Extremas
Os estudos enfatizam que as secas extremas, como as de 2005 e 2010, atuam como um poderoso catalisador. Elas aumentam a inflamabilidade da floresta, levando a incêndios mais extensos e severos, que por sua vez criam as condições ideais — dossel aberto e competição reduzida — para a proliferação do bambu. Cenários climáticos futuros que preveem secas mais frequentes sugerem que este ciclo de retroalimentação se intensificará, representando uma ameaça crescente para a região.
Tabela 1: Análise Comparativa da Estrutura Florestal em Áreas Queimadas vs. Não Queimadas (Dados de Silva et al.)
Métrica | Floresta Não Queimada | Floresta Queimada Uma Vez (2005 ou 2010) | Floresta Queimada Duas Vezes (2005 e 2010) | Fontes |
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Densidade de Árvores Vivas (indivíduos/ha) | 611 (±66) | 307 (±47) / 270 (±93) | 157 (±50) | |
Redução na Densidade de Árvores (vs. Não Queimada) | 0% | ~50% - 56% | ~74% | |
Densidade de Colmos de Bambu (colmos/ha) | 667 (±425) | Não especificado, mas aumento de 7-9x | Não especificado, mas aumento de 7-9x | |
Aumento na Densidade de Bambu (vs. Não Queimada) | 1x | 7x a 9x | 7x a 9x | |
Biomassa Acima do Solo (AGB) (% da Não Queimada) | 100% | ~51% - 73% | ~51% - 73% | |
Contribuição do Bambu para a AGB (%) | 1% | Não especificado | 27% |
III. Consequências Ecológicas da Dominância do Bambu e a Resiliência Florestal
Supressão da Regeneração Florestal
A dominância do bambu cria um "filtro ambiental forte" que impede a recuperação da floresta. O denso emaranhado de colmos e folhas intercepta a maior parte da luz, sombreando o sub-bosque, enquanto o sistema de rizomas subterrâneos compete agressivamente por água e nutrientes. Essas condições suprimem física e competitivamente a germinação e o crescimento de plântulas de outras espécies arbóreas, interrompendo efetivamente a sucessão ecológica e a regeneração natural. A floresta fica aprisionada em um estado de dominância de bambu, incapaz de retornar à sua composição e estrutura anteriores. Este processo representa mais do que um simples dano; ele catalisa uma transição para um novo estado ecológico, estável, porém funcionalmente degradado, que se assemelha a uma savana em sua estrutura e função.
Perda de Biodiversidade e Homogeneização da Floresta
A supressão da regeneração arbórea leva a um declínio mensurável na riqueza de espécies e na diversidade funcional das árvores. A floresta, antes complexa, torna-se floristicamente empobrecida e homogeneizada, dominada pela única espécie de gramínea agressiva e por algumas poucas espécies de árvores pioneiras. Essa simplificação estrutural resulta na perda de uma variedade de nichos ecológicos que sustentam a biodiversidade de fauna e flora, desde insetos e aves até mamíferos.
Redução do Sequestro de Carbono
Uma consequência direta da substituição de árvores de grande porte e madeira densa por bambu, que é mais leve, é uma redução significativa na capacidade da floresta de armazenar carbono. Estudos mostram que a biomassa acima do solo (AGB, na sigla em inglês) em florestas queimadas é reduzida para apenas 51-73% daquela encontrada em florestas não queimadas. Concomitantemente, a contribuição do bambu para a AGB remanescente dispara de apenas 1% em florestas intactas para 27% em florestas queimadas duas vezes. Isso representa um golpe significativo no papel da Amazônia como um dos principais sumidouros de carbono do planeta.
Uma Perspectiva Nuançada sobre a Resiliência
Embora a narrativa de degradação seja forte, é crucial incorporar evidências que oferecem uma visão mais completa. Um estudo notável sugere que as florestas do Sudoeste Amazônico, possivelmente devido a uma longa história evolutiva com perturbações como o ciclo de vida do bambu e o fogo, podem ser mais resilientes aos incêndios do que as florestas da Amazônia central e oriental. Este estudo encontrou menor mortalidade de árvores e menor impacto sobre as comunidades de fauna (como aves e besouros) nas florestas queimadas do Acre em comparação com outras regiões. A hipótese é que as taxas mais rápidas de crescimento e turnover das árvores nesta região podem pré-adaptar o ecossistema a mudanças estruturais.
Contudo, essa resiliência pode ser uma faca de dois gumes. Embora as árvores existentes possam sobreviver melhor ao fogo, os estudos da Profa. Silva demonstram que o impacto ainda é suficiente para desencadear a expansão massiva do bambu. Portanto, o sistema pode não estar retornando resilientemente ao seu estado anterior, mas sim reorganizando-se resilientemente em um novo estado degradado e dominado por bambu. A floresta sobrevive ao fogo, mas sobrevive
como uma floresta de bambu, um estado que impede a regeneração da diversidade arbórea original.
IV. A Contranarrativa: O Bambu como Pilar da Bioeconomia do Acre
A Valoração Econômica
Em contraste direto com a narrativa da ameaça ecológica, existe uma visão poderosa e institucionalmente apoiada do bambu como um motor de desenvolvimento econômico para o Acre. As estimativas de seu valor potencial são notáveis e sustentam a forte aposta política e empresarial no recurso.
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Impacto no PIB e Renda: Uma análise da Embrapa estima que a exploração sustentável do bambu poderia injetar R$ 6,4 bilhões na economia do Acre, um valor que representaria um aumento de mais de 50% no PIB atual do estado e seria seis vezes maior que o PIB agropecuário acreano.
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Valoração do Ativo Natural: Outro estudo, que avaliou o recurso in situ com base nos preços do mercado internacional para produtos derivados, estimou o valor total da matéria-prima em US$ 5,2 bilhões.
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Aplicações Industriais: A valoração detalhada aponta para um potencial de US$ 4,4 bilhões na produção de painéis de bambu para a indústria e US$ 778,5 milhões na produção de carvão de bambu para fins energéticos.
Promoção Governamental e Institucional
Existe um esforço concertado por parte do governo do Acre e suas agências, como a Funtac e a Secretaria de Ciência e Tecnologia (SECT), em parceria com órgãos federais como a Embrapa e organizações de fomento como o Sebrae, para desenvolver uma economia baseada no bambu. As iniciativas incluem:
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Centros de Pesquisa: A implantação do Centro Vocacional Tecnológico do Bambu (CVT Bambu), com investimentos federais de R$ 2,6 milhões, para centralizar a pesquisa e o desenvolvimento.
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Produção de Mudas: A criação de viveiros de mudas nativas para apoiar programas de plantio e recuperação.
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Fomento à Pesquisa: Financiamento de projetos de pesquisa que abrangem toda a cadeia de valor, desde o zoneamento e a colheita até o processamento industrial.
O Plano Estadual de Desenvolvimento do Bambu
Esta política pública, instituída por decreto em 2017, é a peça central da estratégia econômica do estado. Seus objetivos são abrangentes e visam estruturar toda a cadeia produtiva:
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Capacitação: Treinamento de produtores, técnicos, engenheiros e arquitetos em manejo, plantio e técnicas construtivas.
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Pesquisa e Desenvolvimento (P&D): Fomento a estudos sobre caracterização de espécies, processamento industrial e desenvolvimento de novos produtos.
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Programas de Plantio: Uma meta ambiciosa de apoiar o plantio de 3.000 hectares de bambu e o manejo sustentável de povoamentos nativos.
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Desenvolvimento de Mercado: Criação de linhas de crédito e incentivos fiscais para estimular o surgimento de negócios baseados em bambu.
Aplicações Diversas e o Discurso da Restauração
A visão econômica baseia-se na notável versatilidade do bambu. As aplicações potenciais vão desde materiais de construção e mobiliário até energia (biomassa e carvão ativado), biocompósitos, cosméticos e produtos alimentícios. Um componente chave da narrativa econômica é o uso do bambu para a
recuperação de áreas degradadas, propondo que ele pode restaurar a cobertura florestal enquanto gera retorno econômico. Este ponto cria uma contradição direta com a narrativa da ameaça ecológica, que o aponta como um supressor da regeneração natural.
Tabela 2: Potencial Econômico e Valoração dos Recursos de Bambu do Acre
Métrica Econômica | Valor / Figura | Fontes |
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Contribuição Potencial para a Economia do Acre | R$ 6,4 bilhões | |
Valor Total Estimado da Matéria-Prima (in situ) | US$ 5,2 bilhões | |
Valor Potencial para Painéis de Bambu (Indústria) | US$ 4,4 bilhões | |
Valor Potencial para Carvão de Bambu (Energia) | US$ 778,5 milhões | |
Renda Estimada por Família (Manejo Sustentável) | R$ 25.000,00 por família | |
Investimento Federal no CVT Bambu | R$ 2,6 milhões |
V. Síntese e Recomendações: Navegando no Paradoxo do Bambu
Reconciliando as Narrativas
A análise das evidências revela que a degradação ecológica documentada pela Profa. Silva não é um problema separado do desenvolvimento econômico promovido pelo estado; pelo contrário, é uma consequência potencial e provável deste último, se for perseguido de forma ingênua. O ponto de atrito reside na definição de "manejo sustentável". Para economistas e formuladores de políticas, o termo frequentemente implica um rendimento sustentado de um produto, focando na viabilidade econômica da extração. Para ecólogos como a Profa. Silva, a sustentabilidade exige a manutenção da estrutura, função e biodiversidade do ecossistema — precisamente os elementos que sua pesquisa mostra serem comprometidos pelas perturbações (abertura de clareiras, risco de incêndio) inerentes à exploração.
A Falha Crítica na Política Atual
O Plano Estadual de Desenvolvimento do Bambu , embora bem-intencionado e abrangente em sua visão econômica, parece operar em um vácuo ecológico. Ele ignora em grande parte o ciclo de retroalimentação fogo-bambu. Seu foco no estabelecimento de novas plantações e planos de manejo em florestas nativas arrisca-se a criar exatamente as condições — aberturas de dossel e aumento da atividade humana e fontes de ignição — que aceleram a degradação. A ideia de usar o bambu para "recuperar" áreas degradadas é particularmente problemática se isso significar o plantio de bambu de uma forma que impeça a sucessão natural de espécies arbóreas diversas, perpetuando um estado de baixa biodiversidade.
Recomendações para um Caminho Verdadeiramente Sustentável
Para superar esse paradoxo, as políticas e práticas devem ser redesenhadas para serem lideradas pela ecologia, integrando o conhecimento científico como um pilar central da estratégia de desenvolvimento.
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Priorizar Terras Já Degradadas: A fonte primária de bambu para uso industrial deve ser as vastas áreas que já foram degradadas pelo fogo e convertidas em florestas dominadas por bambu, conforme identificado pela pesquisa da Profa. Silva. Isso criaria um incentivo econômico para manejar e, potencialmente, restaurar essas terras, em vez de degradar florestas intactas ou semi-intactas. A exploração se tornaria uma ferramenta de remediação, não de degradação.
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Desenvolver e Exigir Colheita de Baixo Impacto: Para qualquer extração em áreas menos degradadas, técnicas de colheita de baixo impacto, baseadas na ciência, devem ser desenvolvidas e legalmente exigidas. Isso vai além dos planos de manejo seletivo padrão e deve considerar especificamente a resposta agressiva do bambu à abertura do dossel. Tais técnicas poderiam envolver a minimização da perturbação do solo e a criação de clareiras muito pequenas e dispersas.
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Implementar um Zoneamento Ecológico-Econômico Funcional: O estado deve utilizar os dados de pesquisadores como a Profa. Silva para criar um mapa de zoneamento de granulação fina. Áreas de alta integridade ecológica e baixa densidade de bambu devem ser designadas para conservação estrita. Áreas já fortemente dominadas pelo bambu poderiam ser zoneadas para exploração econômica e esforços de restauração.
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Integrar o Manejo do Fogo: Qualquer plano de exploração de bambu deve ser obrigatoriamente acoplado a um plano robusto de prevenção e manejo de incêndios para a paisagem circundante, reconhecendo que a atividade econômica aumenta o risco de fogo.
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Fomentar Pesquisa Interdisciplinar: É urgente financiar pesquisas que se situem na interseção da ecologia e da economia. Isso inclui análises de custo-benefício que contabilizem plenamente os serviços ecossistêmicos perdidos com a degradação (como armazenamento de carbono e biodiversidade) em comparação com os ganhos econômicos dos produtos de bambu. Também é crucial pesquisar técnicas de restauração eficazes para terras dominadas por bambu.
Conclusão
O futuro das florestas do Acre depende da resolução deste paradoxo. O bambu pode ser tanto o motor de uma nova bioeconomia sustentável quanto o catalisador de uma degradação florestal generalizada. O resultado será determinado pela capacidade dos formuladores de políticas e da indústria de atenderem aos claros alertas ecológicos de sua própria comunidade científica, projetando um sistema que transforme a "ameaça" na própria fonte da "promessa".
A análise sobre o papel do bambu no estado do Acre destaca uma complexa dualidade: embora seja um componente florístico natural, sua expansão acelerada está associada a sérios impactos ambientais negativos. A pesquisa liderada pela Professora Doutora Sonaira Souza da Silva, da Universidade Federal do Acre (UFAC), é referência essencial neste tema. Ela é uma das principais especialistas no estudo da dinâmica de incêndios florestais e da degradação de florestas por bambu na Amazônia Sul-Ocidental15.
Segundo os estudos conduzidos por Sonaira e colaboradores, o fogo desempenha um papel decisivo na ampliação do bambu do gênero Guadua, particularmente nas florestas abertas do Acre. Em áreas preservadas há cerca de 600 colmos de bambu por hectare, já em zonas queimadas o número sobe para aproximadamente 5 mil colmos por hectare. Esse aumento acentuado acelera a degradação florestal, dificultando a recuperação das áreas após os incêndios e promovendo uma mudança na estrutura da floresta, com florestas antes diversificadas passando a ser dominadas por bambu147.
Além dos incêndios, outras atividades humanas — como exploração madeireira legal, secas e desmatamentos — favorecem a expansão agressiva das espécies Guadua sarcocarpa e Guadua weberbaueri. Essas espécies dominam ou são secundárias em oito dos 18 tipos florestais do Acre, cobrindo cerca de 83,9% do território florestal, o que representa um impacto geográfico significativo24.
A expansão do bambu acarreta sérias consequências ecológicas, com estimativas que indicam a eliminação de 70% das espécies arbóreas e redução em 73% da densidade de outras espécies vegetais nas áreas dominadas por bambu. O bambu também provoca aumento na quebra de árvores, criando barreiras adicionais à regeneração florestal e alterando a luminosidade, umidade e temperatura no interior das florestas, tornando-as mais vulneráveis a novos incêndios24.
Outro fator que complica ainda mais o problema é o ciclo reprodutivo do bambu, onde populações inteiras florescem, frutificam e morrem simultaneamente a cada 28-30 anos. Após essa mortalidade massiva, as clareiras formadas favorecem a proliferação de pragas e dificultam ainda mais a recuperação das espécies nativas24.
A trajetória acadêmica e as publicações da Professora Sonaira consolidam sua posição como referência no estudo destes processos, ressaltando a importância de entender e gerenciar a relação entre fogo e expansão do bambu para preservar a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos na Amazônia Sul-Ocidental157.
Referências
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